Gerações

As histórias da Vó Joanna

●  As aventuras da avó, que ela contava como se fosse um filme

A vovó baiana, morena bonita que encantou o avô polonês e conquistava as netas com comidinhas inesquecíveis

A história da minha avó foi ela quem contou em várias sessões matinais nas férias em Teresópolis, no Rio. Minha irmã Ana e eu acordávamos cedo e, antes mesmo de tirar o pijama, cruzávamos o corredor para o quarto dela. Meu avô Roque levantava-se bem mais cedo e ia cuidar da vida. Joanna.

Ela estava sempre sintonizada na Rádio Globo e só se levantava depois das oito, não antes de rezar o terço. Depois, ficava enrolando um pouco na cama e a gente aproveitava para se enfiar embaixo das suas cobertas.

Eu era pequena, tinha uns 6 ou 7 anos, talvez menos… Ficava impressionada quando ela começava a contar suas aventuras. Ouvir ela falar era como assistir um filme. Joanna de Lima, nasceu no dia de São João, em Itaparica, na Bahia, em 1912, filha de Cândida e José.

A família era muito pobre e quando ela tinha uns 13 ou 14 anos foi entregue para ser criada pela madrinha de batismo. Com essa família de criação, ela se mudou algumas vezes até que foi viver no Rio de Janeiro.

Cresceu convivendo com 2 irmãos, que morreram cedo, e 6 irmãs que curiosamente, tinham nomes que começavam com a letra C – Clotilde, Cleide, Climenes, Cléia, Cleidéia e Celma – esta última, uma licença poética, já que esse nome se escreve com S.

Minha avó era uma unanimidade entre as irmãs, que a chamavam de Aninha. Não foi muito à escola. Ou foi, mas não aprendeu a ler, nem escrever. Sabia “fazer” seu nome e assim assinava documentos, quando necessário.

Desconfio que ela tivesse alguma dificuldade de aprendizagem. Dislexia, talvez. Não levou os estudos adiante e nem se exigia qualquer formação acadêmica das mulheres da sua geração.

Baiana que encantou o polonês

Foi uma mulher muito bonita de pele morena, cabelo bem preto e um sorriso espetacular. Acho que tinha ascendência indígena. Gostava de namorar. Antes de conhecer meu avô, teve um namorado e ficou noiva. Mas o noivado se desfez por pressão familiar. O moço não era lá flor que se cheirasse.

Aí, como boa baiana arretada – ela era muito engraçada – apostou com as irmãs que, na próxima vez que saíssem, ela voltaria para casa namorando. Dito e feito. Conheceu meu avô Roque Kliemczak, filho de imigrantes poloneses, em plena Quinta da Boa Vista.

Ele era alto, atlético, cabelos e olhos claros. Um pão, como se dizia na época. No mesmo dia, engataram a paquera.

Namoraram, noivaram, casaram e tiveram só uma filha, minha mãe, Arlete. Algumas outras tentativas de gravidez não tiveram sucesso. A família viveu por muitos anos numa casa de vila antiga no subúrbio carioca e de lá tenho lembranças incríveis.

Visitas de surpresa Joanna

Muitas vezes, minha mãe nos buscava na escola em Laranjeiras e fingia que tinha errado o caminho. Ao invés de pegar o túnel Rebouças no sentido Zona Sul, ia no sentido contrário, em direção à Tijuca.

Quando a gente se dava conta, já estávamos na entrada da vila e… surpresa!

A gente ia dormir na casa da vovó!

Joanna
No colo da avó Joanna, a autora deste texto quando ainda usava chupeta

A casa parecia aquelas dos filmes do Rio Antigo. A porta se abria numa longa escada que dava na sala de estar com pé direito alto. Logo na entrada tinha um telefone pregado na parede.

Na parte da frente, uma salinha de TV com uma janela de onde se via a vila inteirinha. Dava para ver as crianças brincando de bola, amarelinha, corda, pega-pega. A gente chegava da escola, almoçava, fazia o dever de casa e aí passava o resto do dia com a turma da vila até a hora do jantar.

Casa de avó pode tudo Joanna

Na casa da minha avó podia fazer tudo, mas principalmente tomar refrigerante durante a semana, comer macarrão com molho de salsicha e escovar os dentes não era uma obrigação.

O café da manhã era uma delícia. Meu avô trazia pão fresco e ela fazia o melhor ovo frito do mundo. Até hoje, quando vou fritar ovos, lembro dela e tento reproduzir do jeito que ela fazia. Gema mole, clara dura (bem fritinha).

Fico pensando se meus netos vão me reconhecer por esse talento, já que meus filhos nem dão bola… À tarde, ela colocava a mesa para o lanche no maior capricho com direito a pão fresquinho, queijo e presunto enroladinhos, e bolo.

Era uma grande companheira para minha mãe. Estavam sempre juntas batendo perna pelas lojas em Copacabana e Ipanema ou enfiadas em casa fazendo algum tipo de artesanato (costura, tricô, crochê, sei lá mais o quê).

Nas férias, ela e meu avô fechavam a casa deles e vinham ficar com a gente por um ou dois meses em São Paulo, onde moramos até 1974, ou na casa de Teresópolis, no Rio.

Ela também amava cozinhar e comer bem. Lembro dela fazendo cocada, pudim de leite, cuscuz de tapioca com coco, mousse de chocolate.

Teve diabetes e, por isso, tinha restrições alimentares, mas costumava dizer que preferia morrer a deixar de comer camarão, por exemplo. Ela amava frutos do mar, pimenta e comida baiana em geral.

Também era a maior fã do Roberto Carlos e por isso eu sei um cantar várias músicas do Rei.

Primeira perda

Minha avó Joanna foi a primeira pessoa que eu perdi na vida. Ela tinha só 68 anos e foi internada às pressas com um quadro de diverticulite aguda – talvez hoje a Medicina a tivesse salvado.

O curioso é que pouco antes da passar mal, tinha almoçado uma sopa Leão Veloso (um ensopado de frutos do mar que levava o nome de Pedro Leão Veloso, um ministro de Estado do Governo Getúlio Vargas, que frequentava o restaurante Rio Minho, onde a sopa era servida).

Minha avó, provavelmente, nem sabia quem era o tal Veloso, mas o prato que levava seu nome estava entre os top 3 na sua lista de preferidos.

Joanna
Arlete, Joanna, Claudia e Ana no colo do vovô Roque; Roque, Ana, Arlete, Claudia e Joanna

Resgatando essa história hoje – com ajuda da minha irmã, Ana, que tem uma memória incrível – fiquei pensando em como, de um jeito estranho, minha avó teve sorte na vida. Sua mãe, Cândida, não pôde criar a filha, mas soube escolher uma boa família para ela.

Nunca sofreu humilhações ou abusos, mas deve ter sido difícil para uma menina tão jovem ter que adotar uma outra família, mudar de cidade e, aos poucos, perder totalmente contato com os pais e irmã.

Mesmo assim, Joanna de Lima Kliemczak soube superar essa dor e talvez um tanto de mágoa, para criar seu próprio núcleo com muito amor, dedicação e cuidado. Ela marcou a vida de muita gente e, nos poucos anos que convivemos – eu tinha 12 anos quando ela partiu –, deixou as lembranças mais gostosas e felizes.

 

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