Gerações

Fausto Longo: “O avô ajuda a construir seres humanos melhores”

Representante de todos os descendentes de italianos da América Latina no Senado da Itália, Fausto Longo se tornou avô logo depois de eleito, em 2012

● Entrevista com o senador Fausto Guilherme Longo

 

Ao buscar a história do seu avô, que não conheceu, o paulista Fausto Longo foi à Itália, onde hoje é senador, eleito para representar a colônia italiana na América Latina. E pretende seguir adiante, ao passar a história dos antepassados para os descendentes: “Se você puder trazer um pouquinho do passado pros netos, eles podem ir eliminando defeitos e se tornarem seres humanos melhores”.

O arquiteto e urbanista Fausto Longo conseguiu uma façanha: é o primeiro brasileiro eleito para representar os descendentes de italianos no parlamento na Itália, país do seu avô. Porém, pouco depois da eleição, em 2012, ele ganhou a primeira neta, e logo outra e o terceiro. “Ser avô à distancia é ser um sofredor”, lamenta ele, que tem mandato até 2018, quando, faz as contas, “a mais velha terá… cinco anos!”

Mas faz o que pode para aproveitar a avosidade. Até seus colegas senadores acompanham as primeiras engatinhadas e risadas de Helena, Felipa e Guilherme. Quando veem Fausto ao celular, já perguntam: “Novidades dos netos?”. Sem falar da correria das viagens. Às vezes, em alguma data especial, o senador viaja 24 horas, somando ida e volta, só para passar um fim de semana no Brasil.

A maior ansiedade de Fausto é poder conversar com os descendentes, hoje ainda muito pequenos para isto. Quer que saibam a história da família que o trouxe da Itália e que o levou para lá, de volta às origens. Segundo Fausto, foi a ligação com seu avô, que ele nunca conheceu, que o fez ir até conseguiu chegar: ele se mudar para a Itália como representante dos descendentes na América Latina. “Quero que meus netos se reconheçam num processo histórico que nasceu na Itália, por minha parte.”

Do avô para os netos

Buscando suas origens, ele um dia foi ao Museu da Imigração, em São Paulo, e insistiu para folhear um dos livros de registros. Abriu numa página aleatória e o primeiro nome da lista era o do seu avô! “O meu avô, naquele momento, deu um recado”, conta ele, admirado. No mesmo dia, por coincidência, a Prefeitura de Amparo descobriu os documentos da família enterrados numa escadaria, o que, segundo ele, “reforçou a ideia” de buscar as origens.

Antes de ser eleito senador por cerca de 30 mil latino-americanos com ascendência italiana, como candidato pelo Partido Socialista Italiano (PSI), em coligação com o Partido Democrático (PD), ele foi atrás dos passos dos antepassados e reconstruiu a história. Agora, projetando os caminhos do futuro, ele espera que os netos também possam compartilhar esse conhecimento, para fazer sua própria história: “Se você puder trazer um pouquinho da história do passado e passar pros netos, de forma que eles possam eliminar cada vez mais esses pequenos defeitos que vieram de fabricação, para se tornarem seres humanos melhores, eu acho que aí é o papel que os avós têm”.

E ainda sonha com um futuro muito melhor: “Que a humanidade dê um passo a mais nessa coisa da generosidade, da solidariedade, e que talvez eles possam encontrar um mundo um pouco menos competitivo, um pouco mais saudável”.

 

Confira os principais trechos da entrevista com o senador Fausto Longo:

 

SER AVÔ É SER PAI DUAS VEZES

Preocupação dupla: “Você fica preocupado para que os pais não passem nenhum tipo de problema para que um dia eles não façam falta praqueles que são seus netos”.

“Eu já ouvi falar isso, né, que o avô acaba sendo pai duas vezes, essa sensação de que é ser duas vezes pai, né? O que eu sinto que muda é que se eu tinha preocupação, um certo sofrimento pelos filhos – você não quer que os filhos sofram, que os filhos passem pelas coisas que você já passou –, com os netos, você fica preocupado duas vezes. Você fica preocupado para que os pais não passem nenhum tipo de problema para que um dia eles não façam falta praqueles que são seus netos. Você quer tanto a felicidade dos netos e você sabe o que significa ter um pai, então você fica preocupado duas vezes com aquela relação. Preocupado com o comportamento que eles tão tendo com o pai, o comportamento que eles estão tendo na vida para que eles garantam que aquele neto vai ter um carinho, vai ter a condução necessária, o aconchego de um lar, uma família coesa, entendeu? Então é um conjunto de preocupações.”

 

JUÍZO TAMBÉM DUAS VEZES

Ter perdido o primeiro filho em um acidente fez de Fausto um pai preocupado, e, com a vinda dos netos, a preocupação então aumentou ainda mais

“Eu casei muito cedo, casei com 20 anos de idade. E era muito cedo, eu era muito apegado à família. O caçula de seis, né? Então, eu era muito apegado às questões dos irmãos, da família e tudo o mais. E também quando casei logo nasceu o primeiro filho. E com três anos de casado sofri um acidente grave e morreu minha mulher e meu filho de dois anos. Essa perda de um filho acabou provocando em mim uma espécie de superpreocupação com os filhos, superpreocupação com as crianças. E isso dobrou em relação aos netos. Eu sempre falei pros meus filhos: ‘juízo, juízo com isso, juízo com aquilo’. Agora, que eles têm os filhos, eu falo: ‘juízo duas vezes, porque agora você é pai, né?’. Quer dizer, eu quero proteger o neto. Mas pra proteger o neto, eu tenho que garantir que o pai está em ordem, que tá tudo certinho.”

 

CELULAR PARA SUPERAR DISTÂNCIA

O celular ajuda a acompanhar os primeiros passos das crianças, mas em ocasiões especiais ele chega a atravessar o oceano só para passar um fim de semana com eles

“Pra acompanhar o dia a dia deles é por celular. Às vezes você está numa sessão do Senado ou está numa reunião importante e recebe uma mensagem do filho: ‘Pai, olha o que o filho acabou de fazer!’ Então você acompanha uma coisa que é muito legal, a primeira tentativa de engatinhar, ou pôs uma coisa diferente na boca, um sorrisão diferente, tal. Tem até uns senadores do meu lado assim que já perguntam: ‘Fausto, você recebeu notícia dos netos?’ porque, quando recebe, você acaba mostrando, pela alegria e tal. Mas também essa coisa assim de sair de Roma sexta feira, viajar a noite toda, pra estar aqui, por exemplo, pra um aniversário do neto, e ir embora domingo. Ficar 36 horas aqui e acabar voltando pro trabalho, porque se tem uma votação importante, se tem uma discussão importante na segunda feira, na terça-feira, na sessão, ou uma sessão especial, reunião importante política, você acaba tendo que se deslocar às vezes praticamente 12 horas de voo, mais três horas de aeroporto… Então você acaba… E é um sacrifício que vale muito a pena, porque você chega aqui, você se enche de alegria e, embora esteja esgotado do ponto de vista físico, você se enche de alegria e é uma coisa muito gostosa.”

 

AVÔ SOFREDOR

Quem é avô e tem que conviver com a distância é um sofredor, lastima o senador

“Agora, como eles são ainda muito crianças, muito jovenzinhos, é pouca a relação, vamos dizer assim, de trocas de informações. Eu tô na expectativa, tô sonhando com essa expectativa de quando começarem a falar pelo telefone, a conversar, a gente começar a trocar ideia e se comunicar realmente, e ver se consegue superar um pouquinho essa questão da distância. Tenho um problema que nós temos um mandato aí que vai até 2018. Eu fico pensando, em 2018 a Helena já vai estar fazendo cinco anos. Quer dizer, durante cinco anos, foi um contato muito pequeno. É intenso, mas muito pequeno em termos de… Embora meu filho fale o tempo inteiro: ‘Olha, aqui é o vovô, converse com o vovô’. Quem é avô e tem que conviver com a distância é um sofredor. Lógico que a gente sofre pela distância dos filhos, sofre com distância de família, eu tô sozinho em Roma, é uma coisa a família aqui, o trabalho lá… Então, assim, se você for ser avô, eu aconselho, procure não se distanciar, não, porque não é nada gostoso. É uma coisa que você realmente fica sintonizado. Você está longe, e está sintonizado. ‘Poxa, o que será que está acontecendo, o que eu estou perdendo, o que não estou vendo?’ É lógico que um avô aqui, em condições normais, não está praticamente todo dia na casa dos filhos, né? Senão os filhos falam ‘Ô, vovô, tá na hora de ir pra casa’. Mas a distância muito grande assim, o tempo de rever é distante, também não é nem um pouco agradável. É bastante chato.”

 

HISTÓRIA ENTERRADA NA ESCADA

A história da família: “Fui um neto que não recebeu aquela comunicação do avô, qual que era a história. Então eu tinha a ânsia de resgatar esse tipo de coisa”

“Quando você vira avô, percebe que é um alongamento da sua memória. Por exemplo, veja bem: pra falar dos meus netos, vou falar do meu avô. Eu não tive uma convivência, não conheci meu avô por parte de pai. Meu bisavô veio, como todos os imigrantes italianos, eles vieram, a família toda veio pro Brasil e se instalaram em Amparo. E na época que eles… Eram escultores, trabalharam sempre com mármore, a vida toda, meu avô, bisavô, trabalharam sempre com escultura de altares, túmulos, santaria, né? Na época da Segunda Guerra, os italianos, você sabe, eram extremamente mal vistos pela comunidade brasileira porque tinham se alinhado com o “eixo do mal”, que era o Hitler. E a gente era chamado então de “quinta coluna”, traidores, aquela coisa. E meu avô, triste com essa situação, ser tratado desse jeito, acabou mudando de nome de Santo Giuliano Longo para Julio Longo. Julio é uma palavra que não usava praticamente na Itália, com jota. Ele pegou todos os documentos dele que provavam que nós éramos italianos, colocou numa caixa de metal, colocou numa caixa de madeira e fez um degrau de concreto, na frente da casa dele, enterrou aqueles documentos, revestiu de mármore e acabou. Falou: ‘Olha, aqui nós não somos mais italianos, não se fala italiano, não se fala que é italiano’. E nós mudamos para Piracicaba. E aí a vida foi em Piracicaba, da minha família. Eu queria tentar resgatar um pouco da história, entender por que meu bisavô saiu de lá, o que ele veio fazer, qual foi a história dele, do meu bisavô e do meu avô. Então, pouca coisa, como eu não conheci, não tive contato, e eles queriam apagar aquela história de Itália. Então eu fui um neto que não recebeu aquela comunicação do avô, qual que era a história. Então eu tinha aquela ânsia de resgatar esse tipo de coisa.”

 

RECADO DO AVÔ QUE NÃO CONHECEU

Duas grandes coincidências aconteceram quando Fausto resolveu procurar a história do avô: “Com uma comunicação do passado, meu avô deu o recado”

“Aí um dia desses do passado, 1989 ou 1990, eu fui visitar o Museu da Imigração, a Hospedaria do Imigrante, lá no Brás. E aí, na visita, estava fazendo um restauro. Ainda me lembro, a diretora era uma senhora japonesa, Yomiko. E nós visitamos, tudo o mais, e eu perguntei: ‘Ó, não tem jeito de eu pesquisar nesses livros?’ Uma sala comprida, cheia de livros, aqueles livros gigantescos, onde se registrava no Porto de Santos as entradas dos imigrantes. Falei: ‘Não tem jeito de dar uma olhada, ver se encontro meus registros, meus parentes, meus antepassados?’ Ela falou: ‘Olha, daqui dois anos vai ser possível, porque nós estamos recuperando esses livros, microfilmando, e vamos entregar, disponibilizar para a sociedade’. Legal, quem está procurando há 10 anos e não achou, basta esperar dois anos e tubo bem. Quando eu tô saindo, estava entrando um funcionário com um pacote na mão, que era um livro daqueles, revestido em papel manteiga, e ele pôs em cima da mesa para entregar. Eu falei: ‘E esse aí, eu não podia dar uma olhada?’ Yomiko me olhou com uma cara de ‘esse cara é chato!’ Aí, no fim, ela falou: ‘Pode dar uma olhada, sem problema nenhum’. Ela pegou e abriu o pacote e tal, e eu abri numa página qualquer. O primeiro nome da lista era: Santo Giuliano Longo. Então às vezes eu penso: o meu avô, naquele momento, deu o recado que eu queria que ele desse. Então, era uma ligação física, pessoal, que eu nunca tive com meu avô, mas naquele momento eu senti que uma comunicação do passado veio a mim e falou: ‘Ó, não fique tão desesperado, que a sua ligação com o passado está aqui’. Ela ficou impressionada e acabou me dando todas as orientações de como obter documentos, eu consegui informações do navio que chegou, a data em que chegou, quem veio junto, a cidade de onde eles saíram. E, com esse material na mão, eu acabei indo pra casa todo entusiasmado e liguei para o meu irmão mais velho para contar toda a história que tinha acabado de acontecer. Ele falou: ‘Acabou de me ligar aqui o tio Armando, lá de Amparo, que a Prefeitura de Amparo mandou derrubar todos as calçadas, tirar os degraus das calçadas, pra deixar as calçadas livres, porque é ridículo ter aqueles degraus. E encontrou uma caixa lá cheia de papel velho. Interessa pra você?’ No mesmo dia, às 17h horas.”

 

DO AVÔ PARA OS NETOS

Ansioso para transmitir aos descendentes a história que descobriu dos avôs: “Quero que eles se reconheçam num processo histórico que começou na Itália”

“Então, essa ligação histórica de contar o passado, eu fui lá, resgatei, resgatei quem era o pai do meu bisavô, onde eles nasceram, fui na cidade da Itália, virei cidadão. Então eu sou um neto que virou cidadão, o único cidadão honorário da cidade de 1.200 anos graças a isso, por ter persistido. Agora localizei a casa onde ele nasceu e tô tentando comprar essa casa pra transformar numa biblioteca para doar para a cidade… É uma cidade que tem 2.400 habitantes. Mas é um resgate do avô e do bisavô. Eu tenho assim uma vontade, uma coisa interessante, uma coisa que é atávica em mim, que é fazer com que a Helena, a Felipa, o Guilherme e outros netos que virão tenham essa referência do processo histórico que fez com que eles chegassem até a situação de hoje. Que eles se reconheçam num processo histórico que nasceu na Itália, por minha parte. Por parte da mãe delas, na Espanha. E que isso ajude a construir um elo que é geopolítico, mas que elimina fronteira. Quer dizer, demostrar a aventura humana.”

 

UM MUNDO MELHOR PARA OS NETOS

“O que eu espero pros meus netos é que a humanidade dê um passo a mais nessa coisa da generosidade, da solidariedade”

“O que eu quero pra elas? Que elas não tenham, mas que sejam. Que possam sentir essa coisa de se sentir útil, sentir feliz, saber o seu lugar. Palavra difícil de achar, mas que sejam ‘cognocentes’. Que sejam conscientes daquilo que são, da sua própria vida, da sua própria existência, que valorizem isso e que curtam essa coisa prazerosa que é você saber as coisas, buscar o conhecimento. A gente sabe, né, que quando a gente está tentando resolver um problema, a gente fica sempre tenso, triste, e de repente quando você acha a solução, parece que o cérebro sorri. Então eu queria que o cérebro delas sorrissem sempre. A cada descoberta, tal, pra tentar compreender esse mundo, que não é tão fácil. Então é isso. O que eu espero pros meus netos é que a humanidade dê um passo a mais nessa coisa da generosidade, da solidariedade, e que talvez eles possam encontrar um mundo um pouco menos competitivo, um pouco mais saudável.”

 

DOIS CONSELHOS

Conselho aos avós: serem mais sinceros do que os pais nas relações com as crianças, falando as verdades, abrindo a alma, falando de sentimentos

“Os pais têm muito essa coisa de tratar a criança como criança. E os avós tendem a fazer isso mais ainda. Então eu aconselharia que os avós pudessem ser mais sinceros do que os pais na relação com as crianças. Falando as verdades, abrindo a alma, falando de sentimentos, chorando junto, contando histórias. (…) É, se você conseguir ser, com seus netos, verdadeiro, pode contribuir pra que eles sejam verdadeiros na vida deles. Esse é o meu desejo, meu conselho para todos os avós e para todos os netos, que procurem resgatar um pouquinho a história dos seus bisavós e de seus avós. Porque, certamente, ao resgatar as histórias dos avós, eles poderão ser melhores avós. Se eles forem netos melhores, serão melhores avós.”

 

O PAPEL DOS AVÓS

Fausto resume: o papel dos avós é contribuir com informações do passado e das vivências para que os netos sejam pessoas melhores

“Temos essa grande possibilidade de errar, né? Eu acho que a gente é muito menos qualidade do que defeito, né? Então eu acho que se você puder trazer um pouquinho da história do passado e passar pros netos de forma que eles possam eliminar cada vez mais esses pequenos defeitos que vieram de fabricação para se tornarem seres humanos melhores, eu acho que daí é o papel que os avós têm.”

 

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Elisabete Junqueira

Publicitária e jornalista, fundadora e editora do portal avosidade, avó de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia Marie

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