Dr. Fabio Ancona: como se preparar para ser avô
● Palavra de especialista
► Atualmente a grande maioria das mães trabalha fora de casa, muitas vezes em cargos executivos, o que as obriga a ficar longe dos filhos por muitas horas do dia. Temos também as que ainda estudam e que tiveram filhos mais cedo ou estão em início de carreira e, por isso, precisam se dedicar ao trabalho para conseguir mais espaço profissional. Os filhos ficam nas creches ou escolas, geralmente por apenas um período do dia, manhã ou tarde, seja porque as escolas são caras, seja porque as avós, que não trabalham, estão disponíveis para cuidar dos netos (e loucas para fazer isso…).
A experiência de consultório de pediatria mostra muito bem este fato: é cada vez maior o número de crianças que ficam com as avós durante todo o dia ou, pelo menos, em parte do dia. Grande número de consultas é acompanhado pela avó e, em outras, é só ela que leva a criança ao pediatra (o avô costuma ir junto, mas ele é mais motorista do que participante, na maioria das vezes…). Surge aí um problema: geralmente o que a avó se lembra de cuidados com crianças é o que ela aprendeu quando foi mãe, muito diferente do que se faz hoje.
A maneira de cuidar de filhos mudou muito, em muitas coisas. Avós precisam se preparar para isso. Hoje se dá fundamental importância ao aleitamento materno, que não era tão valorizado há 30 ou 40 anos e não existe mais a ideia de que “criança gordinha é mais forte”. Pelo contrário, sabemos que estar acima do peso é o primeiro passo para a obesidade futura, situação tão temida atualmente. Por outro lado a nossa cultura, tão ligada à valorização da comida, faz com que exista um comportamento que confunde dar comida com dar afeto e que comer tudo é prova de amor. Quantas mães se lembram, entre as que estão lendo este post, de dizer ou pensar: ”mamãe fez isto com tanto carinho, se você não comer tudo acho que não gosta de mim!”.
Sendo assim com as mães é pior com as avós, que ainda acreditam que comer muito é sinal de saúde e que não aprenderam que a criança pré-escolar é aparentemente magra, com pernas finas e costelas aparecendo. Por isso é grande a dificuldade em estabelecer uma alimentação adequada para a criança que fica com a avó. Na maioria das vezes vão acontecer duas coisas indesejáveis: prêmios para esvaziar o prato e pratos muito grandes. Cabe às mães, que devem ter uma visão mais atual desses fatos, conversar com as avós sobre este comportamento e fazer com que a orientação pediátrica ligada às refeições seja seguida de modo correto.
Uma forma que me parece eficiente para que isso aconteça é levar a avó junto quando for ao pediatra e, na consulta, esclarecer as dúvidas (que na maioria das vezes são também da mãe). Feito isto se deve esperar que a relação entre mãe e filha seja boa o suficiente para que a avó, quando elevada à condição de cuidadora, tenha o mesmo comportamento que a mãe teria, de modo a não estabelecer conflito de atitudes entre elas. Aliás, esta é a grande questão: quando as avós têm uma participação grande no cuidado dos netos: qual pode ser o grau de independência da avó, com relação à educação do neto?
Até aqui falamos basicamente sobre a participação de avô e avó nos cuidados com a alimentação, quando o neto permanece sob seus cuidados por um período grande do dia. Este é um aspecto isolado da relação, muitas vezes encarado até como uma caricatura, mas que merece uma análise maior, considerando todo o conjunto das relações: pais seguram, avós soltam; pais proíbem, avós permitem. Geralmente é assim que acontece, mas podemos indagar: deve ser assim ou, melhor dizendo, pode ser assim?
Acredito que a resposta correta seja: deve e pode ser assim, mas com limites. Limites, como assim limites? Esta seria a pergunta da avó que se julga dona do neto, como foi dona da filha. Limites saudáveis parece ser a melhor resposta. Saudáveis no sentido de promover uma troca afetiva rica entre todos os que participam da relação com os netos o que, muitas vezes, envolve um número grande de pessoas: quatro avós (sem esquecer que existem mães e sogras, com todas as confusões que às vezes se estabelecem entre elas), pai, mãe e eventuais filhos mais velhos, sem contar a possibilidade, cada vez mais frequente, da participação de filhos de casamentos anteriores.
Neste ambiente torna-se fundamental a participação equilibrada de avô e avó. Cabe a eles entender a complexidade das relações envolvidas e atuar como agentes de entendimento entre todos. Esta participação deve-se dar desde o inicio e deve ser um fator de união entre as famílias que estão se conhecendo, independentemente de diferenças de modo de vida e de forma de pensar que possam ocorrer entre elas. Os avós devem ser fator de aproximação entre todos, entendendo o quanto é bom que os netos, preocupação fundamental, estejam ao lado deles pela vida toda.
Por isso a avó deve saber passar à sua filha toda a sua experiência como mãe sem, porém, querer modificar o comportamento que sua filha julga correto. Deve estar ao seu lado, muito presente, no momento do parto, na volta para casa, nas dúvidas sobre educação, sempre sabendo que os avós podem ser mais permissivos, porém não devem, em nenhum instante, ter atitudes contrárias às que os pais julgam corretas. Creio ser este o segredo da boa avó: em casa de avó sempre deve ser domingo, como dizem, porém o que não pode fazer perto da mãe também não pode perto da avó.
Para exercer estes papéis corretamente é fundamental que, desde o momento em que se sabe que vamos ser avós, ocorra um preparo interior no sentido de, aproveitando a maior experiência que os mais velhos devem ter, poder atuar como fatores de agregação, paz e união familiar.
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