Gerações

Bule-Bule, o vovô da cultura popular que resiste

Autor de vasta produção de poesia de cordel e de canções dos ritmos brasileiros de raiz, passou dos 70 anos em plena criatividade

Entrevista com o compositor, poeta de cordel e repentista

O artista Bule-Bule continua ativo aos 73 anos e raramente tem tempo para curtir os netos porque vive viajando pelo mundo. Ele é um dos maiores repentistas vivos, um dos últimos resistentes que divulgam uma cultura genuinamente brasileira com, como ele diz, “com mil ferramentas”.

Ele recebeu o portal avosidade em sua casa na cidade de Camaçari, no Recôncavo baiano, cercado pelos dos seus instrumentos musicais, alguns pouco usuais na atualidade, vestimentas de vaqueiro e muitos exemplares da sua vasta criação de literatura de cordel.

O local remete a um Brasil que persevera, preservando uma cultura ímpar, com suas tradições que pulsam como coisas novas. A criação dele vai de histórias dos antepassados, transmitidas pela oralidade, a temas atualíssimos, que ganham vida, forma e contorno nas músicas e na literatura.

Bule-Bule é o apelido de Antônio Ribeiro da Conceição, que nasceu no sertão da Bahia há 73 anos. Já lançou seis álbuns musicais com suas composições, publicou cinco livros e cerca de 200 livretinhos de cordel, e já perdeu a conta das apresentações públicas que fez, inclusive fora do País.

Seu trabalho sempre foi dedicado aos gêneros musicais ameaçados de desaparecer, como a chulas do sertão, cocos, martelos, agalopados, xotes e repentes.

Venha conhecer e se encantar com um universo muito diferente nos vídeos abaixo, com os principais trechos desta entrevista exclusiva.

Muito boa vontade

Homem de mil ferramentas, Bule-Bule sempre vai onde o chamam

O avosidade hoje está no Recôncavo Baiano, na cidade de Camaçari, na casa do mestre Bule-Bule. Você já deve conhecer: repentista, contador de histórias, músico e o que mais, mestre? Que bom receber a gente aqui.
Eu faço um bocado de coisas da cultura popular: canto repente, rezo novena, sapateio, escrevo literatura de cordel, canto aboio, coco de roda, chula, sapateado, licutixo, modalidades da cultura popular que são influentes em uma região, menos em outra, mas, porque eu viajo muito, eu faço de tudo um pouco. E aí, quando a região está precisando de algo, se caso é daquelas mil ferramentas que eu manejo, chega até aqui e eu atendo, com muita boa vontade.

 

A atual cultura infantil

Novas influências, novas formas de brincar e de dar carinho

Não vou dizer de maneira nenhuma que estamos desinteressados. Mas eu digo que a pressa do dia a dia, as novas culturas, as novas influências, as novas formas de brincar, as novas formas de dar carinho, hoje você não sabe o que dar de presente para o menino. Se o negócio é vídeo game e pá-pá-pá, porque já não se tem mais boneca. Quando se fala em boneca, respira como coisa do passado, você não fala em pião, em uma bola de gude. Hoje bola de gude usa como arma, mas naquele tempo era coisa inocente. Empinar arraia, hoje o cara faz como arma. Tem uma linha… Facilitando, ela degola etc., etc. Daí a pouco não é mais uma brincadeira. É uma brincadeira perigosa. Você arrisca a machucar alguém ou se machucar com esse tipo de brinquedo.

Por exemplo, eu estou escrevendo um trabalho e espero que para o ano ela saia, que é “Batizado de bonecas”. Ninguém mais… Hoje você fala sobre boneca para uma menina de 15 anos, ela pensa logo no filho, né? Não pensa na boneca propriamente dita. Então os educadores estão atentos a essas coisas. Mas, outras coisas vêm para atropelar, são mais fortes, mais “enxurrantes”, mais de enchentes. Quando chega o fim de ano, você para arranjar um espaço para uma boneca de pano, as fábricas não deixam, enchem tudo de outros tipos de material e você não encontra espaço para sua boneca de pano, para sua calunga.

 

Escrita para crianças

Facilidades e dificuldades conforme a faixa de idade a atingir

Eu tenho uma dificuldade de escrever para criança. Eu gostaria muito de ter texto para criança. Como eu não tenho essa facilidade, eu aí pego nas histórias mais amadurecidas para pessoas de mais idade e tento botar um melaço que atinja o jovem, o adolescente, a criança de modo geral. Mas, eu gostaria muito de poder. Por isso fico tentando trazer mansidão no texto longo, no texto maduro, para que a criança absorva, mesmo que seja bem criança e ter essa percepção do início da vida. Eu não tenho essa facilidade de escrever para criança, mas gostaria que meus textos fossem observados por criança.

 

Nosso papel como avós

Sobram para os avós muitas oportunidades por causa da disponibilidade

O que está faltando é a leveza do toque…
– Seria o papel dos avós trazer essa leveza?
– Não! Seria o papel da humanidade em geral. Agora, porque estamos aposentados, porque podemos ficar até mais tarde, esperar que a criança durma até mais tarde, e depois a gente acorde, porque não estamos seguindo no batente mais, no dia a dia. Então, acho que sobra para nós.

 

Poesia e apresentação do livro

A criatividade do autor que vive a plenitude da maturidade artística

Vovó, minha mãe não mente.
Ontem, ela disse ao Juquinha
que hoje a senhora vinha
contar história pra gente.
Já que a senhora chegou,
eu quero que faça um show
que fique na memória,
para depois que eu crescer
garbosamente dizer:
Minha avó contava história.
Eu gosto, porém não quero
história de Lampião,
nem de Alonso e Marina,
nem história do pavão,
eu só quero história inédita,
da sua imaginação.
A velha, satisfeita, disse:
Seu pai gostava de ouvir,
quando ele, moço, eu contava,
que um homem no Mato Grosso,
de vez em quando sonhava,
veja agora de que forma
aquele sonha se dava.
Uma voz encheu o quarto
em que o fazendeiro dormia.
Vá lá no Porto da Barra,
em Salvador, da Bahia.
O que encontrar é seu.
Porém, o rapaz não ia…

Se preferir, eu dou uma continuidade. A história é essa aqui: “Quatro almas e um destino”. Eu gostaria de ilustrar e a pessoa lá na frente vai ter noção, você poderia ler esse trecho de apresentação do livro?
– Apresentação. Soube pelo poeta e editor Klévisson Viana que meu amigo Bule-Bule solicitou um texto meu para abrir o seu novo romance “Quatro almas e um destino”. Não podia ser uma apresentação, pois, óbvio, Bule-Bule dispensa apresentações. Pensei, repensei e depois de ler o cordel fiquei estupefato. Com a criatividade do autor que vive a plenitude da maturidade artística. Bule-Bule conseguiu costurar ao mesmo tempo o enredo do velho conto de sabedoria, presente na nossa tradição oral, mas oriundo do Oriente, provavelmente da velha Pérsia, com a típica história de botija, ou seja, de dinheiro enterrado. Um conto de sabedoria é história dos dois que sonharam com o livro das 1001 noites.

 

Produção cultural brasileira

Umas pessoas se ligam em mídias modernas, outras no tradicional

Eu acho que o Brasil continua produzindo muita cultura popular. As pessoas são divididas, umas se ligam em outras mídias modernas, mas tem outras que se ligam no tradicional.
Eu acho que estamos produzindo. O que você vai ter é um poder de escolha maior. Se você tiver consciência, você vai optar por esses trabalhos mais de raiz, que estão tendo mais necessidade no mercado. E o outro é também um bom trabalho, que está chegando agora, que trouxe ferramentas que talvez a gente não saiba utilizar ainda. Mas ,que existam, e que sejam utilizadas, e que nos façam bem!

 

Relação com os próprios avós

As aventuras do avô que era vaqueiro no sertão nordestino

– Você teve uma relação muito próxima com os seus avós?
– Com os meus? Tive!
– Como é que foi essa história?
– Muito doce, muito doce, porque meu avô paterno contava das suas aventuras como vaqueiro.
Essa história aqui, “Quatro touros endiabrados e um vaqueiro corajoso”, cabe no seguinte:
O meu avô era vaqueiro de uma fazenda chamada “Sitio Novo”, onde ele, quando chegou, disse para o patrão: “Vou tomar conta dos seus bens durante 20 anos, se der certo que eu fique aqui 20 anos”.
Deu segmento e disse: “Patrão, amanhã eu vou-me embora, hoje completa 20 anos que eu tô aqui, seu gado tá junto, pode contar e arranje outra pessoa para tomar conta. O senhor, sabendo que eu ia ficar 20 anos, já deve ter arranjado…”
– O senhor tá maluco, como pode uma coisa dessa e tal…?

 

Está faltando ternura?

Muita gente pedindo a volta de relacionamentos mais afetivos

Não seria pedir para voltar, era pedir para continuar, porque parou em algum lar, parou em alguma região, mas não parou geral. Olha você fazendo… me motivando agora pela internet e demais espaços em todas as regiões do mundo. Então, não é recomeçar, é continuar através de alguma forma.

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.  

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. 

E mais… Bule-Bule

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Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. 

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.

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Elisabete Junqueira

Publicitária e jornalista, fundadora e editora do portal avosidade, avó de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia Marie

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