Ruth Rocha: “Criança gosta de graça e de emoção”
● Entrevista com a escritora Ruth Rocha
► Uma das mais importantes escritoras de literatura infantil do País, Ruth Rocha já narrou muitas histórias para os próprios netos, hoje adultos. E diz que aprendeu com o avô, um “narrador completo”. Um dos segredos: “Criança gosta de graça e de emoção”.
Certa vez, uma amiga trancou Ruth Rocha na sala com papéis e canetas e ordenou: “Escreve uma história infantil!”. Só assim, na marra, saiu o primeiro conto da então orientadora educacional, em 1969. Naquela época ela tinha 38 anos e, apesar de estreante na literatura, já adorava inventar e contar histórias para as crianças.
“Quem me ensinou a contar histórias foi Monteiro Lobato… e meu avô”, revela a autora de 130 livros para crianças, que já foram traduzidos para 25 idiomas, entre eles ‘Marcelo, Marmelo, Martelo’, com mais de 1 milhão de exemplares vendidos, e ‘O Reizinho Mandão’. Prestes a fazer 50 anos de carreira, ela já ouve elogios de gente que cresceu com seus livros e hoje os lê para os netos.
Os netos dela, hoje com 17 e 21 anos, também já ouviram muitas histórias. Mas ela diz que contar para suas próprias crianças não é a mesma coisa que escrever histórias: “Quando conto, a gente brinca, faz farra, eles interrompem, perguntam… É uma diversão! Agora, escrever… é trabalho”, diz, rindo.
Os dois netos chegaram até a virar personagens da avó. Em ‘Quatro Aventuras de Pedro e Miguel’, eles estão representados como tatus. A própria avó também aparece no livro ‘Cinderela das Bonecas’, revela. “É a história de uma avó que conta histórias, mas ela conta tudo misturado, troca as histórias. Eu estou ali.”
Ruth fez parte de uma geração de avós que já não tinham todo o tempo livre para os netos. “Mas, quando eles chegavam em casa, eu sempre parava o trabalho para ficar com eles”, revela. Ela diz que Pedrinho e Miguel “são muito meus amigos, mesmo já adultos”. As relações com a família são para ela um valor inestimável. “O contato com gente de várias idades é muito bonito. Até como educadora, acho essas relações importantes”, diz.
Como agradar uma criança
Ruth Rocha conhece bem o que agrada aos pequenos, mas garante que a melhor fórmula para o sucesso é ser espontânea: “Criança gosta de graça e de emoção. Mas não penso no que vão gostar quando escrevo. Faço do jeito que eu gosto”.
Como sugestão para lidar com crianças, ela diz que é necessário equilíbrio, para não perder a cabeça e nem deixar que ela faça tudo. Como recomendação de leitura infantil, ela deixa uma listinha da sua obra para várias idades.
Só não sabe muito bem como ensinar o jeito certo de contar histórias: “É como contar piada. Tem gente que conta e é engraçado, outra pessoa conta a mesma piada e não tem graça nenhuma”. Nesta entrevista, ela dá uma aula de como contar histórias com graça.
Confira os principais trechos da entrevista com a escritora Ruth Rocha:
O QUE CRIANÇA GOSTA
Ruth Rocha ensina: o que criança mais gosta é graça e emoção: “Não gostam de coisa parada”
“Eu acho que a coisa que mais move criança é a graça. Quando você fala coisas engraçadas eles amam, eles adoram. Tanto que minha história mais querida e mais vendida desde que lancei em 1969, o Marcelo, Marmelo, Martelo, ainda hoje é a mais vendida, é uma história que as crianças amam porque é engraçada. Graça eles sempre gostam. Eu me apaixonava pela Emília, porque era engraçada. Até hoje eu acho graça da Emília. Perguntavam pra Emília: ‘Quem é você’. E ela diz: ‘Sou a Independência ou Morte’. (risos) Criança gosta de emoção. Ela gosta de histórias que tenham… até pra chorar elas gostam. Não gostam de coisa parada, sem emoção. Mas eu nunca escrevo pensando se criança vai gostar. Escrevo o que eu acho que devo escrever. Presto atenção pra não sair do nível, pra não assustar com coisa difícil que a criança não vai entender, mas não fico querendo fazer criança gostar. Conto a história como eu acho que é, como eu acho engraçada, como eu acho emocionante, aí eu conto.”
APRENDI COM MEU AVÔ
“Eu ouvi muita história. E acho que assim eu aprendi a contar história”
“Eu ouvi muita história do meu avô. Ele era um contador de histórias maravilhoso. Na verdade, meu avô era um contador, sabia todas as histórias de [irmãos] Grimm, [Hans Christian] Andersen, [Charles] Perrault, Mil e Uma Noites, Barão de Munchausen, histórias folclóricas, muitas… Ele era um contador de histórias completo, cantava, dançava, ele era fantástico. Minha mãe também contava história, lia muito pra nós, meu pai contava histórias, minha vó ensinava a cantar. Era aquela história, ela me ensinava modinhas imperiais. Eu aprendia a cantar, tocava violão. Eu ouvi muita história. E acho que assim eu aprendi a contar história. Acho que foi muito importante pra mim, meu avô e Monteiro Lobato, que me ensinaram a contar histórias.”
A DIFERENÇA DE CONTAR E ESCREVER
Ela ri: “Contar história pra criança é uma diversão! Agora, escrever é trabalho”
“Qual a diferença de contar história para os seus netos e para esse mundo de criança que cresceram lendo suas histórias?” “É diferente, é muito diferente. A história que você conta escrevendo é uma história que a gente conta… Bem, eu sou uma pessoa, uma escritora. E vou escrever com seriedade, pensando. Quando a gente conta pra filho, pra neto, a gente é a mãe, a gente é a avó. A gente brinca, faz farra, eles interrompem, perguntam muita coisa, a gente para. Contar história pra criança é uma diversão! Agora, escrever é trabalho. (risos) É diferente.”
CONTATO EM FAMÍLIA
Para a escritora e orientadora educacional, as relações com a família podem ser muito importantes para a criança
“Eu, como educadora – eu fui orientadora educacional, então sou formada em Orientação – então eu tenho essa coisa de pensar também sobre Educação. Eu acho isso muito importante, acho família muito importante. Acho, por exemplo, que o contato com gente de todas as idades é uma coisa muito bonita. Eu vejo, por exemplo, nossas festas têm desde crianças pequeninhas aprendendo a andar até os mais velhos, que somos nós, da minha idade. E todos convivem, todos se gostam, todos combinam. As festas nossas são alegres, nunca brigamos, não existe briga em família, a gente não faz isso quando tá junto, não cobra nada de ninguém, a gente valoriza realmente esse contato amistoso, esse contato bom. Tanto que meus netos são ‘muito’ meus amigos. São adultos já, mas outro dia meu neto me disse que ‘preciso ir aí jantar, você marca um dia pra eu ir aí, que eu estou com saudades’. Eles vêm aqui jantar comigo, almoçar comigo. Eles são meus amigos. Eu valorizo demais isso, esse contato em família.”
SER AVÔ ADOÇA A PESSOA
Ruth ensina que os avós e pais não podem ter picuinhas em torno dos netos e acha que as pessoas podem melhorar quando são avós: “Até pessoas implicantes ficam doces, brincam, ensinam a cantar”
“A gente começa não fazendo gênero. Sem dizer: ‘Se ela não me convidar eu não vou, se ela fizer uma cara feia eu não gosto’. A gente não faz isso, a gente vai ver os netos, finge que não tá entendendo que os pais às vezes isolam os filhos dos avós. Eu conheço muitos casais que isolam os filhos dos avós. Acho isso um crime. Eu acho um horror. Eu acho que os avôs e avós são figuras simpáticas na vida das crianças. Sempre tem umas pessoas que são meio briguentas, ranhetas, implicantes. Mas geralmente os avós adoçam, ficam doces, gostam das crianças, contam histórias, ensinam a cantar. O casal que isola os filhos dos avós fazem um crime contra os filhos. Os avós podem sofrer um pouco, mas os filhos perdem muito. Porque o contato com os avós é uma coisa muito gostosa, muito sadia.”
É PRECISO EQUILÍBRIO
Dois erros que se pode cometer na relação com criança, segundo Ruth: ser emotivo e ser carente
“Eu acho que as pessoas que são carentes às vezes mimam demais, deixam fazer tudo, não educam. Esse é um erro horrível, não dar limites. Eu acho que o segredo com criança é ser equilibrada. Criança é uma coisa adorável. Eu sempre digo, as crianças todas são adoráveis. Acontece que a gente não presta atenção em todas, a gente presta atenção nas da gente.”
NOVOS TEMPOS, NOVAS AVÓS A escritora lembra que as avós de hoje não têm mais todo o tempo livre, como antes. “Mas quando quer, dá pra achar um tempinho”, complementa
“Minha mãe, por exemplo, foi uma avó mais chegada aos netos, lidava muito com eles, ficava com eles, dormiam lá. Era uma coisa muito boa. Eu já não fui porque trabalhava. Hoje em dia, todas as mulheres trabalham. Nem sempre podem ficar com os filhos. E as avós também trabalham, porque hoje as avós são moças quando ficam avós. Então, elas também trabalham e também têm pouco tempo. Agora, eu acho que, se a gente quer, a gente acha tempo. Se a gente valorizar esse papel de avó, a gente acha um tempinho pra ir lá, pra levar uma coisa pro neto, não precisa ser uma coisa cara, qualquer coisinha criança adora, qualquer brinquedinho, qualquer caixinha, criança gosta de levar uma coisinha, brincar com eles, acarinhar, botar no colo, contar história. As pessoas têm que abrir os caminhos. Se querem que os netos gostem delas, se querem participar da vida dos netos, elas têm que abrir seu caminho também, reclamar seu papel, têm que ir atrás.”
AVÓ QUE PARAVA TUDO
Ruth aproveitou a flexibilidade do seu trabalho para aproveitar a avosidade: “Eu fui aquela avó que fica com a beleza, o bom da criança”
“Eu, como avó, fui aquela avó que conta histórias, faz comidinha pra eles. Pros dois, primeiro pro mais velho, depois pro mais novo. Eu fui aquela avó que fica com a beleza, com o bom da criança, a hora de descanso, a hora de brincar. Eu ficava sempre com eles nos fins de semana, ou durante os dias. Eu sempre fui escritora, então não tinha uma hora de trabalho marcada. Primeiro eu trabalhava em empresa. Mas depois eu comecei a trabalhar em casa. Então quando eles vinham eu parava tudo pra ficar com eles, né? Era uma delícia, sempre foi. Eles são ótimos, têm muito carinho comigo até hoje. Um tem 21 anos e outro vai fazer 18 agora.”
MEDO TÃO BOM
Historinha da amiga e escritora Ana Maria Machado com a filha, contando uma história assustadora
Tem uma historinha engraçada. Eu sou muito amiga da [escritora de livros para crianças] Ana Maria Machado. Ela foi minha cunhada, casou com meu irmão. Depois ela se separou, teve outros filhos, e o meu irmão também, mas ela é muito minha amiga. Ela estava na minha casa, era casada ainda com meu irmão e estava com Mariana, minha filha, no colo, contando a Chapeuzinho Vermelho pra Mariana. Chegou no pedaço do lobo. ‘O lobo, o lobo, vai pra casa da vovó…’ Aí ela sentiu a Mariana segurou assim no peito, o coração batendo, aí ela viu que Mariana estava assustada e parou. E Mariana falou: ‘Conta, tia! Que medo tão bom!’
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Essa entrevista é “a minha cara”!!!! Contar histórias para os netos é o que faço com o maior prazer, e ainda concordo com ela quando diz: “pessoas carentes mimam demais, deixam fazer tudo, não educam”.
Muito bom saber como é estar do lado de lá dos livros! As histórias sempre me aproximam da criança que fui e que ainda vive em mim! Quero já apresentar esse livro do Marcelo, Marmelo, Martelo para o meu pequenino!