Gerações

Dona Hilda, Seu Inácio e o neto do meio

Os avós Hilda e Inácio no retrato tradicional (acima), e a vovó com oito dos seus onze netos, mas nessa foto quem está no meio é ela

► Lá se vão duas décadas sem ver meus avós, Dona Hilda e Seu Inácio. Mineiros dos bons! Ela quituteira de mão cheia e avental sempre amarrado na cintura. Tinha medo de trovão e cobria os espelhos na hora do pé d’água. Ele adorava andar pela cidade, sempre arrastando o chinelo e cumprimentando os amigos pela cidade. Rezador dos bons, era devoto de São Vicente.

Primos de primeiro grau! Um absurdo para os dias de hoje. Mas para eles isso nunca foi problema. Tanto que o resultado foram 16 filhos. Mas naquela época, entre as décadas de 1940 e 1960, o interiorzão de Minas Gerais não sabia bem o que era planejamento familiar e quis o destino que desse tantão de criança só seis sobrevivessem.

Seis mulheres, seis guerreiras. Minha mãe, Luzia foi a primeira delas. Nasceu em 14 de dezembro. Mas, para não fugir à carolice, Seu Inácio, a batizou com o nome da santa do dia anterior. Depois dela vieram Maria, Elza, Lourdes, Irene e Regina. Poxa! Nem para me darem um tio homem. Mas, tudo bem! Fica para a próxima encarnação.

Dos 11 netos de Dona Hilda, sou o sexto. Antes de mim vieram cinco. Depois, outros cinco. Ou seja: sou o neto do meio! E, por consequência, o mais lindo (desculpem irmã e primos) e arteiro (até hoje)!

Quando pequeno, sempre achei legal aquelas famílias cheias de netos, com vários tios, aquelas festas de fim de ano lotadas de gente que um não sabe o nome do outro e amigos secretos intermináveis. Hoje, já beirando os 40, dou graças a Deus que Dona Hilda e Seu Inácio tiveram poucos netos (e poucos bisnetos também). Isso deixou a primaiada muito próxima.

E também demos sorte para a Dona Hilda. Ela não teve trabalho para decorar o nome da netaiada e nem lembrar quem era filho de quem. Acho que isso ocorre com quem tem muito neto, sabe? O único problema é quando todos estavam juntos. André, virava Julinho. Roberto, confundido com Fábio. Denise, era chamada de Adriana. Ápia de Sarah e Eliza de Ludemila. E eu, como neto do meio, nunca era confundido (primos, me desculpem novamente).

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Minha irmã Denise e eu fomos os que conviveram menos com os avós. Só víamos eles uma ou duas vezes por ano, quando fugíamos de São Paulo para passar férias em Coronel Fabriciano. Era quando nos esbaldávamos… Crianças de apartamento, acostumados a brincar no pátio do prédio, na casa da Dona Hilda tínhamos mais espaço para bagunçar.

Tinha o Sheik (cachorro chato!), o galinheiro, teve até milharal e o fogão à lenha. E era lá, nesse incrível utensílio doméstico (digno de qualquer cidade pequena), que saíam broas de milho e rosquinhas de nata. Dá água na boca só de pensar. Ah! Ela também adorava fazer arroz doce quando íamos visita-la. Ah! Nunca gostamos de arroz doce, mas minha irmã e eu fingíamos que estava bom só para deixa-la contente.

Gente! E estou me esquecendo do chup chup (ou geladinho para quem é de São Paulo) que ela fazia para vender. A molecada do bairro não dava sossego. Todo hora surgia um no portão querendo comprar. “Quanto custa?”, perguntavam. “Dez mil réis”, dizia ela. “Não vó, são dez cruzados”, corrigia algum neto (dependendo da época e do plano econômico).

Fim de tarde, todo mundo de pé sujo… Começava a ladainha: “Menino, vá tomar banho antes que suas tias cheguem”. E o banho tinha que ser antes da janta, sempre às 18h. No cardápio, as sobras do almoço viravam um delicioso mexido ou um sopão. Minha família nunca foi abastada. Mas nunca ligamos pra isso. Se faltava dinheiro para esbanjar, sempre sobrou muito amor e carinho entre todos.

E sempre soubemos dividir o que tínhamos entre todos. Acho que aprendemos isso com ela, que quando via que o bife não ia dar para todos os netos, cortava em pedaços menores. Assim todo mundo comia… Já de noite, banho tomado e bucho cheio, era hora de ver TV. “Olha lá, que indecência”, dizia ela toda vez que via um casal na novela numa cena mais ousada. “Muda de canal!”, berrava.

Acho que vocês perceberam que não falei muito do meu avô. Talvez porque minha relação com ele aos poucos foi se tornando um pouco distante. Não que ele tenha sido uma pessoa distante. Mas o Parkinson, ao longo dos anos, foi distanciando ele de todos nós. Doença cruel! Fez uma pessoa comunicativa perder a voz, limitou seus movimentos. Mas o danado ainda tinha força para segurar a perna dos netos e dar um apertão daqueles. Todos odiavam! Mas com certeza acho que todos hoje sentem falta de tudo isso…

 

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Denílson Oliveira

Jornalista e colabora com o portal avosidade

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4 Comentários

  1. Parabéns pelo texto! Como disse o Reginaldo no comentário acima, faz a gente voltar a infância. Lembrei bastante das minhas viagens pra casa da minha vó. Ótimos tempos rs

  2. Eu adorei a parte do arroz doce. É uma característica muito típica dos avós querer agradar com algo que os netos não gostam muito. E típico dos netos querer agradar fingindo gostar… rsrs. Sem falar da lembrança da avó dividindo os bifes. Tão singelo e bonito.

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