Laura, o encontro com a avó desconhecida
● Peça de teatro resgata fato familiar trágico
► Minha avó materna se chamava Laura, eu não a conheci, porque nasci em 1981 e ela morreu em 1982, assassinada no meio da rua. Desde a sua morte trágica, durante a minha infância, adolescência e parte da vida adulta, pouco me falaram dela.
Lembro da minha mãe contar que ela gostava de ficar embaixo de um pé de cinamomo plantado em frente da sua casa. Conversando com as pessoas, dando risada e tomando chimarrão. Foi morta depois de negar dança a um homem em um baile.
“Os antepassados são raízes da vida e esse é o motivo pelo qual estou aqui: buscar minha história buscando a história da minha avó. O passado no presente é o que procuro” [trecho da peça Laura]
Meus tios e primos que puderam conviver com a vó Laura confirmavam seu gosto por jogar conversa fora. Falavam que era muito carinhosa e tranquila. E que antes de dormir gostava de assistir as novelas da época na sua TV preto e branco, comendo frutas e jogando as suas cascas num pinico, que ficava embaixo da cama de casal onde dormiam todos juntos; nos dias de calor ou de frio do Rio Grande do Sul.
Para além das lembranças repetidas ao longo dos anos, as informações que eu tinha sobre a vó Laura eram poucas. Não permitiam me identificar com ela, nem me ver nela. O trauma ocasionado pelo modo como morreu provocou um afastamento da sua figura do nosso convívio familiar. E da sua história de vida se estabeleceu um vazio.
Peça Laura constrói elo de gerações
“Uma amiga disse que o que eu estou fazendo é colocar um quadro que faltava na parede da família. Outra disse que eu estou nutrindo um galho da minha árvore genealógica. Que se eu não convivi com a vó Laura, aqui e agora eu a invento, e converso sobre o que aconteceu e o que acontecerá. Descubro a vida que ela teve e não me contaram, o elo entre a história que se fez e a história que me fez.” [trecho da peça Laura]
Havia sempre um desconforto quando alguém perguntava algo dela. E as vésperas dos meus 33 anos decidi que, através do teatro, procuraria descobrir quem foi Laura e o que dessa avó em mim permanece.
Eu fui juntando coisas e essas coisas revelaram outras coisas, sobre ela e sobre mim. Sobre nós. Essas coisas me seduzem. Desconfio, sou objeto do meu inquérito. Eu não sei quase nada da vó Laura, mas a criei porque ela sou eu. Eu sou a minha avó, eu sou a minha mãe, eu sou todas essas pessoas que morreram. Eu sou a sensação de que está tudo acabando ao redor, desaparecendo, e só resta você” [trecho da peça Laura]
Laura, solo de Fabricio Moser, entra em cartaz na SP Escola de Teatro
Uma pergunta ancestral: o que das avós há em nós? E um fato familiar trágico, o assassinato da avó materna e o silenciamento da sua história de vida, são motes para o ator e diretor Fabricio Moser na encenação do solo autobiográfico Laura, que estreia em 8 de abril, as 21h, na SP Escola de Teatro, Praça Roosevelt.
Laura foi morta em 1982, por um desafeto amoroso de apelido Candoca. Fabricio, seu neto, nasceu em 1981, tinha 9 meses na época, não conheceu a avó. Diante dessas inquietações, a vontade de saber mais sobre a avó e descobrir o que dela nele permanece, em 2014, o artista sul-mato-grossense, radicado no Rio de Janeiro desde 2009, realizou uma pesquisa documental, levantou recursos e convidou familiares e artistas para colaborarem na montagem, que já fez três temporadas no Rio e fica em cartaz até 1º de maio em São Paulo.
Mergulho no passado
Partindo de um inventário de memórias, depoimentos, fotografias, vídeos, documentos e objetos, a peça propõe um caminho coletivo para a reelaboração de vivências pessoais. Em que os elementos da dramaturgia são partilhados com o público através de dispositivos dramáticos, performáticos, narrativos e visuais.
Por meio desses rastros do passado, eventos e situações relacionados a Laura, como o ofício de cartomante e benzedeira e o fato de fabricar e reformar coroas de cemitério, a encenação ilumina uma história silenciada, para descobrir quem foi essa mulher, filha, mãe e avó. E quais circunstancias marcaram a sua vida e a sua morte e como elas se relacionam com a família e o neto que não a conheceu, Fabricio.
A antiga moldura de uma foto que hoje porta um espelho, o baile da terceira idade e três tiros. Um inquérito policial, dois jornais velhos e algumas cartas. A cor rosa, o cheiro do café e as conversas embaixo do pé de cinamomo são imagens da peça que procuram aproximar gerações.
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Serviço
Laura
Data: de 8 de abril a 1º de maio
Local: SP Escola de Teatro – Sala R8, Praça Roosevelt, 210, São Paulo/SP
Horários: sábados às 21h / domingos e segundas-feiras às 20h
Duração: 80 min
Classificação etária: 16 anos
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) – R$ 10,00 (meia/lista amiga)
Contatos: (21) 99309-8570/briciomoser@hotmail.com
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Ficha técnica
Criação e atuação: Fabricio Moser.
Colaboração artística: Ana Paula Brasil, Cadu Cinelli, Francisco Taunay, Gabriela Lírio, Nathália Mello e Rafael Cal.
Assistência de produção e de palco: Felipe Leo Pardo
Programação visual: Bruno Morais.
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