Gerações

O veneno e o antídoto

O autor e o neto Rodrigo, que com apenas 10 meses perdeu o pai, mas foi quem segurou a barra e fez o vovô se sentir “salvo por um bebê”

Como o nascimento de um neto pode amenizar a perda de um filho – o veneno e o antídoto

 

► Jamais imaginei que chegaria ao final de 2012 relativamente equilibrado e confiante. Em janeiro último, afinal, perdi Paulo, meu primogênito, fulminado por um infarto aos 28 anos. Achei que não resistiria a esse tranco. Resisti. A bem da verdade, fui salvo por um bebê – um garotinho lindo, cativante e afetuoso. Ele se chama Rodrigo e é meu primeiro neto. Numa daquelas tramas que só mesmo o destino é capaz de bordar, Paulo tivera seu único filho dez meses antes de morrer.

O recém-chegado triturou de imediato uma sina a que eu já havia previamente me condenado: não conhecer os meus netos. Meu avô paterno morreu durante minha gestação. Meu pai tampouco viu nascerem os meus filhos. Confesso que não nutria grandes esperanças quanto ao desdobrar de minha descendência. Até que Rodrigo desse o ar de sua graça. Sua chegada mudou tudo e todos. Fez de mim um avô, talvez a mais íntima, intensa e doce experiência que um ser humano pode experimentar.

Choro a morte de Paulo todas as manhãs, durante as minhas orações. Mas também louvo a chegada de meu neto a todo instante. Rodrigo é o meu bálsamo. Costumo dizer que, mesmo ao cravar-me essa dor na alma, Deus foi generoso comigo. Teve a delicadeza de me ministrar um antídoto antes que me fizesse ingerir o veneno da perda. Levou Paulo. Mas trouxe Rodrigo. Quando a tragédia nos colheu, foi o bebê, com sua pureza, beleza e doçura infinitas, quem nos fortaleceu diante da fatalidade.

Em meio a essa tempestade, erguemos uma muralha sólida ao redor de Rodrigo. Um muro de amor. De amparo. De aconchego. Sua presença pequenina foi uma fonte de alívio para todos nós, feridos e perplexos em meio a tanta tristeza. Rodrigo resgatou as nossas esperanças e desatou o sorriso em nossos lábios vedados pela amargura. Evitou que submergíssemos de vez no pântano movediço da tristeza.

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Por mim, Rodrigo fez ainda mais. Ele é a chance de eu me redimir de minha negligência com seu pai em seus primeiros anos de vida. Pretendo oferecer a Rodrigo todo o amor, atenção, cuidados e presença que, por egoísmo ou imaturidade, não soube dar a Paulo em doses maiores e na hora certa. Tenho certeza de que, se meu filho tivesse tido tempo de me pedir alguma coisa, seria exatamente isso. Que eu zelasse por seu filhote.

Chorei ao longo do ano a água de um coqueiral. Chego, porém, ao seu final sentindo-me mais fortalecido. Descobri, mesmo que à custa de sua perda, que meu amor por Paulo era infinitamente maior do que eu mesmo imaginava. Encontrei na família de Anna, minha doce nora, pessoas maravilhosas e decididas que, como eu, veneram Rodrigo e não medem esforços para que ele cresça feliz.

Percebi que meu neto e eu nos amamos muito e o quanto precisamos um do outro. Tê-lo nos braços me deixa feliz e em paz. Por isso vejo chegar 2013 e, mais do que nunca, me convenço de que, se a tristeza fere, a alegria cura. Mesmo ainda bem machucado, intuo que o bom da vida vai prosseguir. Viver, afinal, é, acima de tudo, desfazer os nós e conservar os laços.

Este texto é o capítulo final do livro “Coração de Pai – Histórias sobre a arte de criar filhos”

 

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12 Comentários

  1. Texto lindo e emocionante. Também tenho filho e filha e neto e neta. Meus pedacinhos do Céu, como você diz. Fiquei emocionada! Parabéns José Ruy Gandra pelo seu maravilhoso texto e por seus lindos sentimentos.

  2. Texto tão lindo e tocante.Sou mãe, sou avó. E encontro essas palavras lindas e pungentes que mexem comtoda minha alma. Obrigada pela lição de amor, de dor, de renovação diária…

  3. Me identifiquei muito pois estou vivendo uma situação idêntica,perdi minha princesa por complicações no pós parto por pura negligência médica,também era minha primogênita e faleceu 10 dias após o nascimento de seu primeiro filho,presrtes a completar 25 anos de idade,a dor dilacera o coração mas a presença do bebê ajuda a reconstrui-lo.Agora sou avó-mãe pois estou criando o bebê.É um amor muito grande,como ser mãe outra vez.

  4. Me identifiquei muito pois estou vivendo uma situação idêntica,perdi minha princesa por complicações no pós parto por pura negligência médica,também era minha primogênita e faleceu 10 dias após o nascimento de seu primeiro filho,prestes a completar 25 anos de idade,a dor dilacera o coração mas a presença do bebê ajuda a reconstrui-lo.Agora sou avó-mãe pois estou criando o bebê.É um amor muito grande,como ser mãe outra vez.

  5. Lindo e emocionante. Sua história enternece qualquer coração. Deus, na sua infinita bondade, lhe concedeu esse antídoto, que Ele, pois, conceda-lhe vida longa pra acompanhar e ver seu neto crescer.

  6. Tive a oportunidade de ler o livro que relata esta história de forma envolvente.
    Há, com certeza, muita tristeza no relato dos acontecimentos vividos pelas pessoas que fazem parte da narrativa. Mas, a mesma intensidade de sentimento é encontrada no renascimento delas com a vinda de Rodrigo.
    Bela história, muitas emoções, superações.

  7. Obrigada Rui Gandra, vc me fez ver que amor tem de ser incondicional…. vivi sem amor de mãe, fui muito maltratada por ela…. e hj ela precisa de mim…. e amor é o remédio…. e vc me fez enxergar isto com outros olhos…. Que Deus te abençoe sempre, e sempre te de alegrias com Rodrigo! Maravilhoso texto!

  8. Obrigada Rui Gandra, vc me fez ver que amor tem de ser incondicional…. vivi sem amor de mãe, fui muito maltratada por ela…. e hj ela precisa de mim…. e amor é o remédio…. e vc me fez enxergar isto com outros olhos…. Que Deus te abençoe sempre, e sempre te de alegrias com Rodrigo! Maravilhoso texto!

  9. Sim, me emocionei com o belo e sensível texto de Rui Gandra. Algo parecido aconteceu comigo, foi a morte de meu marido, em março de 2014, por infarto e a notícia da gravidez de minha filha em julho do mesmo ano. Senti a chegada da netinha, como um bálsamo, um afago de Deus em meu coração, que ficou triste e apaixonado com a perda de meu amado. Entretanto, fico a imaginar como seria se meu marido estivesse vivo e curtindo a netinha, já que ele gostava tanto de crianças…

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