O primeiro filme com a neta a gente não esquece
● A neta que nasceu no ano de lançamento de Frozen
► Marina fez avó e avô verem o filme Frozen. Como certamente tantas outras crianças.
Frozen é um fenômeno. Foi saudado pela crítica americana como a melhor animação dos Estúdios Walt Disney dos últimos anos. Ganhou dois Oscars, o de melhor filme longa-metragem de animação e o de melhor canção original para “Let it Go”. E a canção por si só foi outro fenômeno, com vendas fabulosas e o Grammy de melhor canção escrita para mídia visual.
O filme ganhou ainda o Globo de Ouro e o Bafta de melhor longa de animação. Ao todo, foram 72 prêmios, fora 56 outras indicações.
Todas as pessoas que têm filhos ou netos nascidos, digamos, de 2010 para cá conhecem bem o fenômeno Frozen. Eu o conheço muito de perto porque Marina, minha neta, que nasceu exatamente no ano de lançamento do filme, já era apaixonada por Elsa quando fez um ano – e, de lá para cá, ao longo dos últimos dois anos, não parou de pedir e ganhar presentes relacionados a Frozen.
Mais ainda: Frozen foi o primeiro longa-metragem que vi ao lado de Marina.
E o primeiro com a neta a gente não esquece.
Não saberia dizer como exatamente começou a paixão de Marina por Elsa, mas o fato é que, da coleção bem grande de amigos bonecos, os dois prediletos, que ama de maneira especial, são o Elmo, que tem desde que nasceu, e uma boneca Elsa que está com ela há mais de dois dos seus 3 anos (e um mês) de vida.
Muito antes de ter ideia de qual era a trama de Frozen, entendi que deveria conviver bem com Elsa para conviver bem com Marina. E então dei para minha neta o primeiro álbum de figurinhas da vida dela – um álbum lançado pela Abril, Frozen – Febre Congelante.
Pai e mãe regulam direitinho o tempo de tela
Hoje Marina tem umas quatro versões de bonecas de Elsa – e agora há pouco, quando se aproximava seu terceiro aniversário, fez o pedido: queria uma boneca Anna. A boneca Anna que ela ganhou, acho que da Tia Dri, sabe cantar a versão brasileira de “For the first time in forever”; basta ela apertar um botãozinho, e Anna canta.
Marina viu Frozen em capítulos. Pai e mãe regulam direitinho o tempo de tela, que não pode passar de uns 20, no máximo 25 minutos por vez. Acho isso corretíssimo.
Um dia, depois de ter visto Frozen inteiro, mas aos pedaços, com a mãe, Marina pegou o DVD e disse que queria mostrar para o avô e a avó um filme que eles ainda não tinham visto.
Vimos, então, em três sentadas, três visitas seguidas.
Na visita seguinte àquela em que vimos o fim do filme, Marina quis começar a ver de novo. Vimos os primeiros 20 ou 25 minutos, e, quando paramos, ela reclamou muito, como sempre reclama. Continuaremos a ver, seja na casa dela ou na minha – ela pela terceira vez, Mary e eu pela segunda.
Tenho orgulho de que Marina tenha me convidado para ver Frozen, o primeiro longa que ela viu na vida. Jamais vou esquecer isso.
Não consigo me lembrar qual foi o primeiro longa que apresentei para a mãe dela, e isso já não interessa tanto. Mas vimos muitos filmes juntos, minha filha e eu – muitos, muitos, muitos, enquanto ela ia crescendo.
Ver filmes ao lado da filha é seguramente uma das melhores coisas que pode haver.
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Com a neta, então… Ah, não tem preço.
O filme de animação de melhor bilheteria de todos os tempos
Sucesso absoluto no quesito prêmios, o filme foi sucesso absoluto nas bilheterias. Produzido a um custo de US$ 150 milhões e lançado em novembro de 2013, rendeu US$ 400 milhões só nos Estados Unidos. Com bilheteria de US$ 875 milhões mundo afora, chegou à bela soma de US$ 1,3 bilhão. O que significa a nona posição nos filmes mais rentáveis da história, o filme de maior bilheteria de 2013 e o filme de animação de melhor bilheteria de todos os tempos.
Com mais de 18 milhões de cópias, foi o home vídeo mais vendido de 2014 nos Estados Unidos. Em janeiro de 2015, tornou-se também campeão de vendas em blu-ray.
E isso tudo só se refere ao filme em si. Frozen foi um fenômeno fantástico, incrível, na venda, no marketing de produtos correlatos ao filme: bonequinhos dos personagens, dominós, outros jogos, álbuns de figurinhas, mais bonequinhas, vestidos, copos, lancheiras, camisetas, mais jogos, mais revistinhas, mais outras revistinhas.
Há estimativas de que a venda de produtos com a marca Frozen rendeu aos estúdios Walt Disney o mesmo que o filme ganhou nas bilheterias – ou seja, outro US$ 1,3 bilhão.
Foi lançado um Disney on Ice, espetáculo de patinação no gelo baseado na história de Frozen, que está correndo o mundo em 2016 e em abril chegou a São Paulo. Anunciou-se também que a Disney está trabalhando na produção de um musical da Broadway, uma sequência do primeiro filme em nova animação de longa-metragem e uma nova série de livros.
Em novembro de 2014, um ano após o lançamento do filme, o site americano de economia e finanças TheStreet.com escreveu: “Frozen não é mais um filme, é uma marca global, uma franchise maior que a vida criada ao redor de produtos, parques temáticos e sequências que podem durar até o próximo século”.
Conto de fadas com tragédia em excesso, infelicidade demais
Até o próximo século, claro, é um certo exagero. Mas é fascinante ver que esse fenômeno fantástico de meados da segunda década do século XXI se baseia numa história publicada pela primeira vez às vésperas do Natal de 1844. A Rainha de Neve foi escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), o autor de célebres contos de fadas como As Novas Roupas do Imperador, A Pequena Sereia, O Rouxinol, O Patinho Feio.
A Rainha de Neve é uma história que envolve magia, um espelho que distorce a realidade e trolls – seres sobrenaturais do folclore e da mitologia dos países nórdicos.
Os Estúdios Disney trabalharam numa adaptação da história original durante anos a fio. Finalmente, um trio de roteiristas fez a adaptação à qual a Disney deu o sinal verde: Chris Buck, Jennifer Lee e Shane Morris, segundo os créditos finais. Com base nessa adaptação, Jennifer Lee fez o roteiro – e a animação foi dirigida por ela e Chris Buck.
Como tantos outros contos de fada, e como tantas outras animações feitas pelos Estúdios Disney de contos de fada, Frozen tem tragédia em excesso, infelicidade demais, e diversos momentos que são apavorantes, aterrorizantes, antes de finalmente chegar ao “e viveram felizes para sempre”.
Sinopse do site IMDb
Como tenho grande dificuldade em fazer sinopses breves, optei por transcrever o que escreveram outras pessoas dotadas do maravilhoso dom da síntese. Eis aqui a sinopse do carioca Claudio Carvalho, um dos mais assíduos redatores de sinopses no IMDb:
“No reino de Arendelle, a Princesa Elsa tem o poder de criar gelo e neve, e sua irmã mais nova Anna adora brincar com ela. Quando Elsa acidentalmente atinge Anna na cabeça com seu dom e quase a leva à morte, seus pais as levam aos trolls, que salvam a vida de Anna e a fazem esquecer a habilidade de sua irmã.”
“Elsa volta ao castelo e se mantém reclusa em seu quarto com medo de ferir Anna com seu poder crescente. Seus pais morrem quando o navio em que viajam naufraga e, três anos mais tarde, a coroação de Elsa (quando atinge a maioridade) a força a abrir os portões do castelo para celebrar com o povo. Anna fica conhecendo o Príncipe Hans (o 13º na linha sucessória de um outro reino) na festa, apaixona-se imediatamente por ele e decide que vão se casar.”
“Mas Elsa não aceita o casamento e perde o controle de seus poderes, congelando Arendelle. Elsa foge para as montanhas e Anna se junta ao camponês Kristoff e sua rena Sven e ao boneco de neve Olaf para procurar por Elsa. Eles encontram Elsa em seu castelo de gelo e ela acidentalmente atinge Anna em seu coração; agora, só o amor verdadeiro pode salvar sua irmã da morte.”
O filme é uma festa para os olhos e os ouvidos
É uma beleza de animação, é óbvio. É uma festa para os olhos, para os ouvidos. A sequência em que Anna canta “For the first time in forever”, dançando nos imensos salões do palácio, parando junto aos quadros na parede e imitando as poses das pessoas retratadas ali – só para dar um único exemplo – é um brilho, uma coisa genial, de se aplaudir de pé como na ópera.
Há travellings e panorâmicas e tomadas gerais do reino de Arendelle, do porto, dos navios ancorados ali, que dariam inveja – digo isso com a maior certeza do mundo – aos especialistas em travellings e panorâmicas Alfred Hitchcock, Brian De Palma e Claude Lelouch.
É de fato uma festa para os olhos e os ouvidos.
O que me inquieta, até mesmo apavora, é a trama, a história.
É impossível a gente não se abalar diante tanta tragédia. Há tristeza demais, pavor demais nesta história para crianças.
É exagero de crueldade condenar as filhas à solidão
Senti falta de uma explicação de como e por que Elsa tem esse poder – que é ao mesmo tempo um dom e uma maldição, como a vida eterna para os vampiros – de transformar em gelo e neve tudo aquilo em que ela toca. Os autores Chris Buck, Jennifer Lee e Shane Morris poderiam talvez ter justificado o poder como um presente (ou vingança) de um ente mágico, mas me parece que simplesmente deixaram de lado o como e o por quê – e senti falta.
E é crueldade demais que os pais tenham condenado a pobre Elsa (e também a encantadora Anna) àquela solidão absurda. É um horror imaginar Elsa trancada em seu quarto enquanto os anos se passam e ela se transforma de criança em adolescente, com Anna carente da amizade da irmã ao longo da vida inteira.
OK: compreende-se que Elsa e Anna tenham que passar por muitas experiências até descobrirem o que é o amor verdadeiro, e que só o amor é que é o caminho, e all you need is love, love is all you need. Mas é de fato um exagero de crueldade os pais condenarem as duas filhas à solidão absoluta ao longo de todos os anos0.
São pais rígidos demais, ou, para dizer as coisas com suavidade, bem pouco dotados de sensibilidade e inteligência, para não procurarem outras formas de fazer a filha conviver com o seu poder que tanto pode ser um belo dom quanto uma terrível maldição. Ahn… Haveria mil formas de tentar fazer Elsa conviver com seu poder. Por que não contratar preceptores, cientistas, médicos? E por que não pedir ajuda aos trolls? Por que os trolls são tão de um lado mágicos e de outro lado tão incompetentes para fazer algo de realmente bom?
Anna, um ser solar, forte, alegre, é a grande heroína
Se não conseguiram explicar por que Elsa tem o poder de transformar tudo aquilo em que toca em gelo ou neve, se criaram pais que não souberam ajudar em nada sua primogênita, os autores Chris Buck, Jennifer Lee e Shane Morris foram, no entanto, mestres em criar criaturas simpáticas.
Kristoff, o homem do povo, o trabalhador, que o espectador vê desde criancinha, crescendo junto com a rena Sven, é delicioso. A rena Sven é o máximo. São os tipos dos personagens que, num sábado de temperatura agradável, a gente gostaria de convidar para um papo num botequim gostoso.
E o boneco de neve Olaf é um achado extraordinário. Talvez Olaf seja a mais bela sacada do trio de adaptadores da história original de Hans Christian Andersen para a animação que se transformaria em fenômeno planetário.
Quando as irmãs eram bem pequenas, Elsa criava para ela e para Anna brincarem o bonequinho de neve. Olaf era um grande amigo das crianças – um tanto assim como o Elmo e a Elsa são os melhores amiguinhos do mundo faz-de-conta de Marina.
Quando, sem querer, durante uma brincadeira, Elsa joga gelo na cabeça de Anna, os pais das duas as levam para a região dos trolls, e Pabbie, o avô dos trolls, o ancião, se prepara para socorrê-la, ele diz que vai ter que mexer no cérebro dela. Para tirar de lá o gelo atirado sem querer por Elsa, vai ter que remover também boa parte da memória de Anna. Anna se esquecerá do fato de que sua irmã mais velha tem aquele fantástico poder-dom-maldição. Mas – Pabbie consola mãe e pai das meninas – ela não se esquecerá dos divertimentos, dos bons momentos.
Maravilhosos, simpáticos, fascinantes personagens
E então, quando empreende aquela jornada em busca da irmã, nas montanhas geladas, Anna reencontrará Olaf, uma das criaturinhas mais fofas que os estúdios Disney já inventaram. Um boneco de neve que, ó Meu Deus, sonha em viver no verão e é capaz de, para proteger Anna, se aproximar de uma lareira.
Kristoff, Sven, Olaf – maravilhosos, simpáticos, fascinantes personagens. Mas, mais fantástica ainda que eles é Anna.
Anna é um ser solar, cheio de vida, de força, de determinação, de vontade. Anna é a alegria concentrada. Ela faz lembrar a Maria de A Noviça Rebelde/The Sound of Music (1965). A Mary Poppins do filme que leva seu nome (1964). Anna, a rigor, faz lembrar a jovem Julie Andrews, aquela coisa em tudo por tudo fascinante – cantora, atriz, escritora, declamadora, genial em tudo que faz.
Ela faz lembrar Maria Alice de Todas as Mulheres do Mundo (1966), a mulher solar interpretada por Leila Diniz.
Anna seguramente influenciou os criadores de Joy/Alegria, a personagem maravilhosa de Divertida Mente/Inside Out (2015).
Ela é a grande heroína nesta história de Elsa.
Elsa não é uma personagem simpática – mas os pequenos a adoram.
Milhões de seres humanos pequetitos se apaixonaram por ela
Interessante: Elsa não é uma personagem simpática, agradável. Muito antes ao contrário. Tudo bem: é um ser que sofre demais, come o pão que o diabo amassou, por ter sido dotada de um poder extremamente amplo. Extremamente forte, sobre o qual ela não tem controle. Mas, porque sofre demais e os pais não conseguiram minorar o sofrimento dela, Elsa é uma criatura que mais assusta do que enternece. Até as últimas sequências, quando aí tudo muda, Elsa é uma pessoa dura, crispada, sempre fechada em si mesma, uma pedra.
Como é possível que milhões e milhões de seres humanos pequetitos tenham se apaixonado tanto por ela?
Mistério neste mundo de mistérios.
Uma coisa é certa: ao redor do mundo, alguns milhões de avós viram Frozen com seus netos.
Frozen é um belo filme, mas é mais que isso. Para o mundo, é um fenômeno. Para mim, terá sempre a importância especial de ser o primeiro filme que fascinou Marina. E o primeiro que vimos juntos.