Comportamento

Dr. Floriano Serra: os avós, esses impotentes

Psicólogo analisa as relações familiares entre os avós e os pais na educação dos netos, e discorre sobre os conflitos entre gerações

● Palavra de especialista

► Antes de tudo, devo fazer um esclarecimento urgente e necessário ao leitor e aos avós: o título deste artigo usa a palavra impotentes, mas não tem nenhuma relação com a tão discutida (e negada) disfunção erétil. Nem com a frigidez, no caso das mulheres. O papo aqui é outro.

Seguindo a inexorável lei da vida, casamos e temos filhos. O tempo passa e surgem os netos. Nesse momento, ganhamos mais um título: além de pais, agora somos também avós.

Quando nossos filhos são pequenos, passamos a viver 24 horas diárias na obsessão de garantir para eles tudo. Dentro do melhor padrão de excelência possível. Sua saúde, segurança e educação. Além de uma boa formação de caráter, bons princípios e comportamento exemplar.

Citei apenas as “obsessões” que parecem ser as mais relevantes. Mas, a julgar pelos depoimentos de pais e mães que às vezes assistimos em programas de televisão, há outras que, quando não inteiramente irrelevantes, beiram o limite do ridículo.

Essa introdução serve para lembrar que, através dos pais, cada família cria sua própria cultura, muitas vezes forjada pelo exemplo e conselhos deles.

Renascimento dos avós

O tempo continua passando e agora aqueles pequenos, adoráveis e travessos tesouros, tornam-se adolescentes. Os quais, quase sempre, esmeram-se em criar a costumeira zona de conflito. Porque eles costumam adquirir valores próprios, nem sempre coincidentes com os dos pais.

Mas a turbulência passa. Com maior ou menor dose de tranquilizantes e consultas ao psicólogo. E os adolescentes ficam adultos e – ufa! – se casam.

Para alegria dos pais, logo surgem outros seres adoráveis: os netos! A essa altura, já pertencemos à chamada “terceira idade”. Ou seja, ficamos idosos, popularmente conhecidos como velhos.

Os netos constituem uma espécie de renascimento dos avós. Voltamos a lidar com bebês e crianças. Remetendo-nos maravilhosamente às origens do próprio casamento, quando nos tornamos pais pela primeira vez.

A partir daqui, é preciso fechar as cortinas porque vai começar o segundo ato. Que, a depender do relacionamento do novo núcleo familiar, pode ser de qualquer gênero: da comédia ao drama. Permeado por lágrimas que podem ser de: alegria, amor, medo, tristeza ou raiva.

Sim, porque ao lado das inevitáveis festinhas de batizado, aniversário, formaturas e outras, surgem, aos poucos, os conflitos devido a diferenças ideológicas. Valores e culturas entre pais x avós; filhos x pais; noras x mães; genros x pais; e os próprios netos.

Temperatura familiar

No dia a dia, os avós presenciam e acompanham a formação que os netos estão (ou não) tendo. Quase sempre noras e genros vêm de outra formação familiar, diferente daquela recebida pelos nossos filhos/filhas. Até porque já se disseminou a armadilha afetiva de que “os opostos se atraem”.

Os avós assistem seus filhos, genros e noras dando aos netos orientações bem diferentes daquelas que deram aos próprios filhos, mas se esforçam para não incorrer no fora de moda: “no meu tempo…” Eles facilmente percebem que os tempos são outros. Se não percebem, são levados a perceber – nem sempre sutilmente.

No começo, até tentam timidamente fazer alguma intervenção com a melhor das intenções. Mas logo percebem que, ao fazê-lo, a temperatura dos humores se eleva perigosamente na família. Mesmo que a um certo momento surja a figura do conciliador; que, às vezes, só piora a situação.

 

Se houver insistência dos avós naquilo que filhos, noras e genros consideram intromissão ou invasão, o risco de surgirem mágoas, ressentimentos e até de rompimentos passa a ser ameaçador.

 

No frigir dos ovos, devido à maturidade e bom senso que a velhice costuma trazer, os avós percebem que, em nome da paz e tranquilidade familiar, é mais prudente fazer-se de surdo-mudo – e às vezes até de cego.

Afinal, os avós não detêm o monopólio da verdade, não é? Nem os filhos, noras e genros também, não é? Então, como é que fica? Geralmente, se o cachimbo da paz não é usado, os avós decidem aceitar que eles não existem para educar os netos: isso é função dos pais deles.

Os avós servem para “estragar” os netos, ainda que às escondidas. Simples assim.

Cegos, surdos, impotentes

Desculpem, não é tão simples assim. Porque os papéis de pais e avós são vitalícios. Enquanto viverem, pais e avós vão se preocupar com a felicidade dos seus filhos e netos. E sempre vão achar que têm bons conselhos e atitudes para essa felicidade. Embora pertençam a uma geração considerada ultrapassada – (“Hoje em dia as coisas são diferentes…”).

Talvez seja preciso admitir que o que é bom e correto para os avós não o seja necessariamente para toda a família. Então, a partir dessa admissão, os avós passam a ser apenas espectadores do espetáculo, sem permissão para influir no roteiro, nem no desempenho dos “atores”. Nasce a impotência.

É uma impotência dolorosa. Pior ainda porque tem que ser curtida através de um silêncio que só os avós, os impotentes, entendem e se consolam.

Para encerrar, uma mensagem otimista: felizmente, não se pode generalizar o descrito, porque as exceções existem e estão aí para serem confirmadas. Ainda bem.

 

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