Gerações

A mais bela flor, a matriarca

A neta Val com a vovó Hilda, a líder religiosa do candomblé cujo legado educacional se multiplicou nas comunidades afrodescendentes

► Em 19 de setembro de 2009 perdi a matriarca da minha família, aquela que era o alicerce, minha vovó Hilda (era assim como eu e todos os netos a chamavam). Era uma manhã de sábado, linda, fazia um sol danado e eu estava em pleno Porto da Barra, participando de uma ação voluntária para limpar as praias de todo o mundo – Clean Up Day – quando recebi a ligação de minha mãe me dizendo que era pra voltar pra casa, fiquei meio sem entender, mas ao mesmo tempo era como se eu já soubesse o que tinha acontecido, ela só precisou confirmar.

A sensação foi de perda do chão, saí desbandeirada, chorando, peguei um táxi e voltei pra casa, fui chorando o caminho inteiro, lembrando que na sexta à noite eu arrumava meu armário e tinha achado uma foto dela, de alguns anos atrás, e tinha chorado muito e pedido a Deus que fizesse ela melhorar pra que pudesse voltar pra casa.

Quando cheguei em casa, minha mãe estava bastante agitada, tomei banho e esperei ela arrumar tudo para irmos pra casa de minha vó, no (bairro do) Curuzu, onde estariam o meu pai, meus tios e primos e os amigos da família.

© André Frutuoso/Fotografia
© André Frutuoso/Fotografia

Era como se todo o Curuzu estivesse de luto, e de fato estava. Ele estava silencioso como eu nunca vira antes. Desse momento até a chegada de minha tia mais nova, minha madrinha e meu pai, foi uma espera terrível. Várias pessoas ligavam, chegavam e a gente tendo que dar sempre a noticia, isso porque as pessoas não acreditavam no que a imprensa já estava noticiando.

A chegada do caixão trouxe o desespero total, pois ali estávamos vendo que não era mentira e que não teria mais volta. Foi duro. Uma madrugada inquieta, muitas pessoas chegando pra dar o último adeus àquela mulher que ajudou a fundar o primeiro e mais importante bloco afro brasileiro, o Ilê Aiyê. Foi tanta gente que não víamos há anos, pessoas que ela ajudou, aconselhou, e que a admiravam pelo que ela era, simples, porém forte.

A manhã chegava e com ela mais pessoas, todos, TODOS mesmo de branco, subindo o Curuzu em cortejo. Os filhos de santo e de sangue segurando seu caixão e os orixás abrindo alas para que todos daquele bairro que ela escolheu pra criar seus filhos pudessem lhe fazer as últimas homenagens. E essas homenagens continuaram no cemitério, mais pessoas chegaram e fomos confirmando o que já sabíamos: o quão importante ela era pra muita gente.

A perda é irreparável, ninguém estava preparado para isso, mas é como se soubéssemos que ela nunca vai nos deixar sozinhos e vai estar sempre olhando por nós, de onde ela estiver. Mas é tão estranho chegar naquela casa e não ter mais ela ali para eu pedir a bênção e dar testa pra que ela beijasse.

 

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