Complicações e molecagens
► Em 1964, Rachel de Queiróz escreveu que “netos são como herança, você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus”. A primeira herança, Caleu, recebi há quase 13 anos. A segunda, Rafael, é mais recente, acaba de completar dois anos. Não é só essa enorme diferença de idade que dificulta a vida. A mãe é a mesma, minha filha Márcia. Mas os pais são diferentes.
Tem razão o Sérgio Vaz quando afirma que “quem manda são os pais”. Cláusula pétrea, diz ele. Verdade. Só complica na hora de lidar com orientações diferentes… E quando um está na pré-adolescência e o outro mal começou a balbuciar mamãe e papai, fica mais complicado ainda. Mas uma coisa é certa: é sempre prazeroso. Conviver com os netos é sempre muito, muito bom. Na minha casa, na casa deles, na rua, em passeios… Sempre. E, devo admitir, às vezes driblo a tal cláusula pétrea – confesso depois, mas acho que é melhor pedir perdão do que permissão…
Sim, a gente volta a fazer molecagens – e agora com a vantagem e a autoridade de ser mãe da mãe. Não sempre, porque aí já vira abuso, mas acredito que essas molecagens é que criam uma cumplicidade, aquela que surge quando, no meio de uma bronca, o neto olha para a gente buscando compreensão. Não importa se a mãe tem razão: é preciso sentir que alguém está do seu lado.
A vida, hoje, coloca pais e mães fora de casa boa parte do tempo. Então, surgiu o Disk-Vó. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, mas a disponibilidade varia. O Disk-Vó daqui de casa às vezes falha – essa vida de frila é ingrata, empata a gente nos momentos mais inconvenientes. Geralmente dá-se um jeito. Mas, quando é preciso falhar, porque não tem jeito de jeito nenhum, fica um terrível sentimento de perda. De momentos de alegria, de curtição, de festa mesmo.
São momentos de resgate, em que matamos a saudade dos pequenos que não temos mais porque cresceram, tornaram-se adultos responsáveis e hoje nos devolvem um pouco daquilo que tivemos. É mesmo como diz Rachel de Queiróz: “E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: ‘Vó!’, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.”
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Bem lembrado, Lenita, o que Rachel de Queiroz escreveu sobre ser avó. Traduz aquilo que nós, vovós corujas, sentimos em relação aos netos. Parabéns também pelo seu texto, que mostra a sua dedicação aos netos, o quase adolescente e o quase bebê.
Absoluta delícia de texto, Lenita!
E, nossa, como o Caleu é a cara do Guille quando ele era jovem! Você sabe que tem muito essa coisa de puxar tio, né?
Parabéns pelos dois netos.
Abração.
Sérgio
Um texto delicado e da maravilhosa série “a delícia das pequenas contravenções”. Com certeza, Lenita, é melhor pedir perdão do que permissão.