Gerações

Do colo da avó ao colo dos netos

A autora confessa que não resistiu à tentação de usar uma certa demagogia em causa própria com os netos Raul e Heloísa e se arrependeu

● ● Avó ruim simplesmente não existe, como monstro ou bicho-papão

► Na véspera do Natal, estava numa loja de brinquedos com meus netos quando passou uma avó esbaforida com uma criança, que tinha cara de pestinha, berrando que ele não ia ganhar mais nada! colo

Minha neta Heloísa, de cinco anos, gritou mais alto ainda:

– Nossa, como essa avó é “mau”!

A loja inteira caiu na gargalhada e eu quase pulei na prateleira mais próxima para me esconder de vergonha. Pouco tempo depois, a coitada da avó veio me explicar por que estava brigando com o neto – e ela tinha toda razão.

Não resisti à tentação de usar uma certa demagogia com as crianças e falei para a Heloísa e o Raul, de nove anos:

– Viram como tem avó brava? E como a de vocês é boazinha?

Eles concordaram, é claro. Mas depois me arrependi porque deixei de explicar a eles o principal: que uma avó “mau”, como Heloísa falou, simplesmente não existe. Assim como não existe bicho-papão, monstro e zumbi, não tem avó ruim. Eu, pelo menos, nunca vi.

Talvez pela experiência pessoal. Não consigo descascar uma fruta, comer um doce, cantar uma canção de roda e até marcar a página de um livro – dobrando a pontinha – sem lembrar dos meus avós. Sem contar aquelas coisas que a gente aprende sem perceber, com o exemplo e a convivência.

Honestidade, compaixão, esforço, coragem. Meus avós me deram tanto que sempre soube que eu tinha o direito de ser tudo na vida, menos uma avó ruim.

Não estou preparada!

Mas, como assim, ser avó? Isso sempre me pareceu uma coisa remota, para quando eu ficasse velha. Até o dia em que a Ana, minha filha, chegou e deu a notícia. Bateu certo pânico: não, não estou preparada! Como se a gente pudesse controlar o ritmo da vida. E essa é a primeira lição da avosidade: ser avó não é escolha, é presente da vida. E que presente!

Precisei conhecer aquele Raul, na ecografia, se espreguiçando dentro da barriga da mãe, jogando a cabeça para trás e cruzando os pezinhos, para começar a entender isso. E para compreender de verdade o vai e vem das marés da vida. Nasceu aquele ‘ratinho’ de 2,5 kg, que a gente pesava todos os dias e que custava a ganhar peso.

Claro que levei para casa. Só desgrudei um mês depois, quando fizemos festa porque ele alcançou 3 kg. O pai e a mãe insistiram que o bebê tinha casa e ia morar lá com eles. Chato, mas tive que aceitar.

Avós bobos colo

Por conta da profissão, não tinha condições de ser uma avó integral, mas cultivei nossa relação diariamente, telefonando de onde estivesse – na Coréia ou em Conceição do Mato Dentro – para cantar a “Galinha Pintadinha”, o “Pintinho Amarelinho” e outras músicas.

Raul foi para a creche aos seis meses, começou a usar óculos com um ano e era carregado para todos os cantos: restaurantes, festas, casas, palácios do poder em Brasília. Porque avós bobos perdem mesmo a noção.

Hoje, aos nove, Raul é um amigão. Mas não está mais sozinho. Há cinco anos, o meu mundo foi sacudido pela chegada da Heloísa. Chegou chegando, esperteza em forma de gente. Saiu andando aos dez meses e nunca mais parou de pular e correr.

Acha que não pode ficar atrás do irmão em nada. A ponto de, aos dois anos, depois de vê-lo pedir uma coisa em segredo no ouvido da mãe, dizer que também tinha um segredo e cochichar:

– Quero a mesma coisa que o Raul pediu.

Tal avó, tal neta

A Heloísa gosta de implicar comigo. Diz que sou idosa (56!) e não deveria pintar os cabelos. Não deixa nada sem resposta, teima até conseguir o que quer e sempre deixa um rastro de avós exaustos quando vai embora. Diferente do Raul, não é chegada em beijo e abraço.

Mas tem um radar emocional que capta tudo. Não saiu do meu colo, por exemplo, nos dias seguintes à morte de meu pai, o bisavô, com quem brincava muito. Era ela me dando colo.

Às vezes, olho a Heloísa fazendo alguma birra e tenho a sensação de que já vi esse filme, uns 50 anos atrás, com outra garotinha em outra casa de avó. Os parentes confirmam. Outro dia, minha irmã disse que, se eu não estivesse viva, ela juraria que a Heloísa era minha reencarnação.

Não é por acaso que, quando eu e ela batemos boca de igual para igual, esquecendo os 50 anos que nos separam – o que é bem frequente -, o Raul se vira para o avô e sentencia: “Deixa as duas pra lá, vô. Isso aí é uma guerra dos clones”.

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