Gerações

Fraldas

Vovô colocando fraldas modernas e práticas, com saudade daquelas de pano que na sua infância enfeitavam os quintais da vizinhança

Varais com fraldas enfeitavam quintais repletos de nostalgia

Nos meus tempos de menino pobre, porém feliz, de subúrbio, eu gostava de andar pelas ruas de terra do bairro olhando os quintais. Sim, nesse tempo a maioria das pessoas morava em casas que tinham quintais. Fraldas.

Quintais geralmente tinham árvores e gramados. Os pés de fruta eram um atrativo quase irresistível, e podiam até justificar a travessura de se pular um muro ou, simplesmente, empurrar um portão entreaberto e, pisando a grama verdinha, às vezes molhada pelo sereno da noite anterior, entrar no paraíso, chegar às árvores, galgar troncos e alcançar os galhos de onde pendiam as frutas deliciosas.

Mangas, goiabas, jabuticabas e muitas outras espécies eram as delícias cuja intensidade só podem ser relembradas por quem teve a ventura de comer frutas no pé.

Perigos havia: um vizinho de maus-bofes, uma vizinha chata ou – medo! – um cachorro brabo que justificava uma boa corrida. Eram apenas perigos assim, nesses tempos hoje idos e vividos. Ah, e uma ou outra surra quando o malfeito era descoberto, prática hoje justificadamente interditada.

Mas, nesses quintais, havia algo mais que chamava minha atenção. Eram os varais. E neles, penduradas como bandeirolas brancas tremulantes ao vento, fraldas, sempre muitas fraldas.

Pano macio, adequado ao contato com a pele delicada dos bebês, era embainhado com carinho por vovós e mamães afeitas à costura. Tecido leve, porém resistente às lavagens constantes.

Medo dos alfinetes fraldas

Quais mantos alvíssimos, enfrentavam os xixis constantes, cocôs de várias consistências, especialmente as fezes quase liquefeitas, que driblavam esse envoltório delicado e muitas vezes vazavam, sujando até roupas de visitas de mais cerimônia.

Pejadas com a urina e a defecação, manter dezenas de fraldas limpas e prontas davam uma trabalheira. E mantê-las branquinhas exigia expô-las à luz do sol. Daí aquele belo espetáculo que ofereciam as fraldas quarando dependuradas nos varais.

Aos poucos, as fraldas de pano foram sendo substituídas pelas modernas fraldas feitas de plástico, muito mais práticas, e mais fáceis de botar e tirar.

Fraldas

Foi-se embora aquele medo que invadia mamães, irmãs, madrinhas e mesmo vovós menos habilidosas, especialmente assustadas com a possibilidade de espetarem os pimpolhos com aqueles imensos alfinetes de fralda.

As fraldas evoluíram, incorporaram melhorias que as tornaram um envoltório sofisticado, dotado de fitas adesivas e, mais recentemente, até de “sinalizadores”, partes dessas fraldas que, ao serem atingidas pelo xixi, ficam coloridas.

Pronto: não é mais necessário, geralmente, fazer a delicada operação de retirar a fralda só para constatar se estão molhadas de urina ou sujas pelo cocozinho das criancinhas.

Triplo preço

Claro que essa modernização das fraldas cobra seus preços. O primeiro deles deriva da praticidade de serem descartáveis, o que, por um lado, acaba com a dura faina da lavagem, mas, por outro, devido ao material de que são feitas, as transformam em vilãs, porque não são de fato biodegradáveis.

O segundo preço é sentimental, não material, mas nem por isso deixa de pesar bastante: as novas fraldas não vão para os varais; não ficam iluminadas pela luz do sol nem recebem as carícias dos ventos fracos ou são fustigadas pela ventania, como aquelas que, arrancadas do varal, voavam pelo quintal, ao se desprenderem dos pregadores.

O terceiro é incontornável para famílias pobres: o preço. Sai caro o cocô desses bebês, atingidos já no início da vida por sua condição social.

Salve o progresso, que acaba com a trabalheira. Palmas para a provável assepsia e o elevado nível de higiene trazidos pelas modernas fraldas. Mas, de qualquer forma, as fraldas de nossas lembranças continuarão, para sempre no varal de nossas lembranças.

Tais fraldas imaginárias nunca estarão sujas. Elas sempre conterão uma alta dose de carinho e dedicação de mamães, vovós, irmãs, babás, lavadeiras.

No varal de nossas memórias estarão sempre disponíveis essas fraldas de Amor pelas criancinhas.

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.

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Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.

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Jota Carino

Professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com formação em sociologia e filosofia; é escritor e membro da Academia Fluminense de Letras, cadeira nº 20; tem vários livros publicados, de crônicas e de contos, e brevemente publicará seu primeiro livro de poesia

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