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Miriam Leitão: “Quero ser uma boa lembrança quando forem adultos”

A jornalista e escritora Miriam Leitão com sua neta mais velha, Mariana, de 9 anos, curtindo o troféu do prêmio literário Jabuti

● Entrevista com a jornalista e escritora Miriam Leitão

 

A vovó Miriam Leitão, uma das mais premiadas jornalistas brasileiras, tem um agenda eletrizante. Trabalha diariamente no jornal O Globo, na TVs Globo e Globonews, na Rádio CBN e ainda tem seu blog na internet e cumpre compromissos frequentes como palestrante em eventos, sempre tratando das áridas questões da Economia. E agora está despontando como escritora de não-ficção e também de ficção. Apesar de tudo isso, ela revela nesta entrevista para o portal “avosidade” que faz questão de abrir espaço na agenda para conviver ativamente com os netos. “Quero ser uma boa lembrança quando forem adultos”, diz ela.

Miriam é avó de quatro crianças que têm entre dois e nove anos de idade e vivem em Brasília, a 1 mil quilômetros de distância dela, que mora no Rio e passa a maior parte do seu tempo no eixo Rio-São Paulo. Ela avisa que sempre visita os netos para que não se repita com eles o que aconteceu com ela na adolescência.

Certo dia, conta Miriam, sua avó, ao vê-la, perguntou: “Essa é quem, mesmo?” Perdida numa família numerosa, a garota tinha 17 tios, 11 irmãos e uma infinidade de primos. “Imagina! Eu estou falando isso agora, mas essa cena é uma dor que carreguei sempre. Fez falta a presença de avó na minha vida”, desabafa.

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Após ter se tornado avó, ela começou a escrever livros para o público infantil e hoje já é considerada também uma profissional no ramo. Como consegue fazer tudo isso? “A gente descobre que virou uma pessoa melhor depois que virou avô”, diz. “Entrei no mundo dos literatura infantil porque eles me levaram. E então eu realizei um sonho que sempre tive, de escrever ficção.”

Miriam já publicou três livros infantis: “A Perigosa Vida dos Passarinhos Pequenos”, “A Menina de Nome Enfeitado” e “Flávia e o Bolo de Chocolate”. E já tem pronto para lançamento no ano que vem o livro “O Estranho Caso do Sono Perdido”.

 

Assista aos principais trechos da entrevista com a jornalista Miriam Leitão:

 

 

DIÁLOGO ABERTO À CRÍTICA

“É como se nós, os avós, fossemos uma comunidade, porque só a gente sabe o que é”, diz Miriam Leitão. Para ela, os diálogos com o netos seriam impossíveis de acontecer entre mãe e filho.

“É uma coisa tão intensa essa experiência de ser avó, que é como se nós, os avós, fôssemos uma comunidade, que só a gente sabe o que é. De vez em quando tem aquele ar de cumplicidade: ‘Ah, você sabe como é!’ Porque é profundo, é intenso, é modificador. Outro dia minha neta mais velha, Mariana, estava brincando do meu lado e eu estava escrevendo uma coluna complicada e ela pôs todos os brinquedos ao meu lado e começou a falar com os brinquedos. Eu pedi pra ela ficar quieta, que precisava me concentrar. E ela falou assim: ‘Eu tô brincando, é assim que as pessoas brincam, sabia?’, E depois ela falou: ‘Sabe qual seu problema, vovó?’ É um diálogo que você não teria com um filho, tão aberto à crítica. ‘O seu problema é que você trabalha demais e não tem tempo de brincar com seus netos.’ Aí eu falei: ‘Caramba!’ e comecei a dialogar: ‘No fim de semana, quando eu venho ficar com vocês, eu fico só com vocês’…”

 

DESCOBRINDO QUE A VIDA É CURTA

Reflexões de avó: “Talvez com os filhos a gente não saiba que a vida é tão curta. Com os netos, a gente sabe que a vida é curta”.

“O quê que muda? Muda tanto, né? A gente tem primeiro uma perspectiva da vida mais completa. Talvez com os filhos a gente não saiba que a vida é tão curta. Com os netos, a gente sabe que a vida é curta. A gente quer aproveitar cada minuto, cada momento. Ao mesmo tempo, você começa a se perguntar: ‘O que eu posso fazer melhor? Como posso aproveitar melhor cada minuto com eles. Semana passada tive uma experiência deliciosa: fui contar a história desse livro na sala da Isabel, que tem 2 anos, da Manuela, que tem 4 anos, depois fui ao colégio da Mariana, 9, e Daniel, 5. Esse envolvimento deles com meus livros é uma coisa incrível, porque eles têm orgulho, eles gostam dos livros, ficam felizes quando veem que os amigos gostam. Isso me incentiva a escrever mais. Eu estava na sala da Manuela e falei ‘Vou ler pra vocês o meu último livro’. E ela corrigiu: ‘Não é o último livro. Ela tem outros!’. Porque ela tem esse inside information sobre os próximos livros que estou construindo com eles… Não é só com livro, é toda brincadeira, toda conversa, toda abertura. A gente se abre mais pro afeto quando chegam os netos.”

 

OS OUTROS PODEM ESPERAR

Ser avó “é uma experiência transformadora, profunda, a gente descobre que você virou uma pessoa melhor depois que virou avô”.

“Nós estamos vivendo o prolongamento da vida, nossa geração está vivendo mais do que as anteriores. Então, nós vamos ficar mais tempo nesse idílio com os netos, nessa luta com eles a cada momento. É uma experiência transformadora, profunda, a gente descobre que você virou uma pessoa melhor depois que virou avô. Você diz: “Isto não é importante’. Noutro dia aconteceu exatamente isso. Eu estava acabando de chegar, de ver meus netos, aí tocou o telefone e era uma pessoa que normalmente eu correria atrás para atender. Mas pensei: ‘A pessoa pode esperar’. Parei, fui brincar com elas, e meia hora depois eu fui telefonar…”

 

A INTERFERENCIA DOS AVÓS

A avó não é aquela que só brinca e depois não tem nenhuma responsabilidade, mas interferir nas pequenas coisas vai criar zona de conflito, diz Miriam.

“Não acho que avó é aquela que só brinca e depois não tem nenhuma responsabilidade. Obviamente, a gente viveu mais, a gente sabe que uma certa coisa não vai dar certo, pode provocar uma consequência que o pai ou a mãe não estão vendo, talvez por imaturidade. A gente já viu mais coisas na vida, então a gente pode dizer. Mas, até que ponto pode dizer? Não tem uma fórmula. Então, isso faz com que os avós tenham que viver sempre nesse extremo cuidado de como introduzir algumas questões. De repente você fala uma coisa e os filhos reagem, bravos. Depois, num segundo momento, vão pensar melhor, refletir, e vão ver que você tem razão. Então, eu acho que a interferência tem que ser assim: qual é o momento em que é fundamental? Vou interferir nas pequenas coisas? Se for interferir nas pequenas coisas, você vai criando uma zona de conflito. Acho que tem que ser só naquilo que é fundamental, que eu posso ajudar. E a gente tem que ter sempre essa noção de que eu também estou aprendendo. Se perguntar: se eu falar isso, eu vou ajudar? A gente sabe que essa tarefa é difícil, de criar filhos. Se eu puder ajudar, eu vou, mas se for pra criar mais uma zona de conflito, não.

 

A SABEDORIA DOS AVÓS

Tentar dosar a participação na criação dos netos é o mais importante, para Miriam Leitão: “Qual é a participação que alivia e qual vai gerar zonas de conflito?”

“Cada pessoa no seu núcleo familiar tem que encontrar a fórmula certa, mas eu não sou da tese de que nós, avós, somos aqueles que pegam, brincam e no primeiro choro entregam e vão embora. Eu não acho não. Acho que a gente de vez em quando segura a onda, se tá doente, divide, a gente quer ser mais participante. A questão é: qual é a participação que alivia e qual vai gerar zonas de conflito. Tem que ter essa sabedoria. Eu acho também o seguinte: a gente já viveu mais, tem que ter mais sabedoria. E mais calma. Nos momentos de tensão, de conflito, de dificuldade, nós avós temos que ser o ponto calmo, posso pensar na saída, vamos encontrar a solução , porque nós temos esse papel, nos somos os mais velhos. de equilíbrio. Quem viveu mais tem a obrigação de ter essa serenidade que só a vida dá.”

 

MARCAS DA FALTA DE AVÓ

Miriam revela a dor de não ter atenção da avó na infância e mostra querer fazer o contrário com os próprios netos, apesar da correria: “Quero estar na lembrança deles quando forem adultos”.

“Eu faço um esforço para deliberadamente abrir espaço para os netos. Os avós, eles deixam marcas fortes. Eu não tive avós presentes. Minha avó paterna era muito pobre no Nordeste, teve uma vida curta, de privações. Minha avó materna tinha muitos filhos, muitos netos, eu era só mais uma. Era uma família daquela época das famílias grandes. Minha avó teve 18 filhos e minha mãe teve 12. Eu era a sexta. Ela nem olhava para mim. Ela dava atenção para a minha irmã mais velha, a segunda… Na minha vez, ela já tinha perdido a conta. Me fez falta. Ao longo da vida, me fez falta esse papel. Tive pouco contato com minha avó, tenho poucas lembranças, me sentia uma pessoa que tá ali mendigando um pedacinho da avó, pra ela prestar atenção. Uma vez ela chegou pra visitar a gente, olhou pra mim e falou: ‘Quem é essa, mesmo?’. Foi duríssimo pra mim. Tô contando agora, mas imagina, carreguei a vida inteira essa dor. Como, assim, a minha avó não sabe quem eu sou? Eu no meio da multidão. Pra mim, ela era a única. Então, quando eu virei avó, eu falei ‘quero ser uma vó presente. Quero estar na lembrança deles quando eles forem adultos. Quero ser uma coisa forte, viva.”

 

CONTADORA DE HISTÓRIAS

A experiência de contar histórias em situações especiais, o que pode e o que não se deve fazer

“Na semana passada, uma das coisas que eu fiz em Brasília foi ir a um hospital para contar histórias para crianças doentes, e fui nervosa… ‘Será que eu vou conseguir contar? Será que minha história vai interessar, será que uma criança doente vai estar interessada na minha história? Como é que a gente faz?’ E aí eu conversei com contadores de histórias para aprender como é que se faz. Tem que perguntar pra a criança o que ela quer ouvir, porque ela pode estar sentindo dor, pode estar indisposta, ela pode estar triste. A primeira coisa, você pergunta. Depois, você não pergunta o que a criança está fazendo no hospital, porque não interessa, você não vai poder fazer nada. E daí se você souber que é uma doença e não outra? Você não é medico! Não serve pra nada essa informação, só pra lembrar a ele que ele é doente. Então, eu aprendi essas sensibilidades porque eu me voltei pro mundo infantil.”

 

O MUNDO DA LITERATURA INFANTIL

O próximo livro de Miriam Leitão nasceu de uma conversa com a neta: “Na verdade eu abro espaço na minha vida pra eles e eles me dão, como retorno, outros trabalhos”.

“Minha quarta história infantil, que eu já entreguei para a editora, é a história em que uma neta conduz a avó. A avó é muito estressada, trabalha demais… “Não sei quem sou!”… e a neta explica que ela tem que relaxar, que a vida tem que ser vivida. A inspiração quem me deu foi minha neta mais velha, numa conversa que a gente teve uma conversa e ela me falou uma coisa e eu falei: ‘Caramba! Que frase é essa?’. Chacoalhou minha cabeça. E transformei isso no meu próximo livro, que chama O Estranho Caso do Sono Perdido, a ser lançado no ano que vem. Na verdade eu abro espaço na minha vida pra eles e eles me dão, como retorno, outros trabalhos, que eu não tinha feito e que faço com extremo prazer. É bom ter aberto espaço. As pessoas devem abrir espaço porque podem ter muito mais do que acham que estão dando.”

 

FICÇÃO INFANTIL ANTES DA FICÇÃO ADULTA

Ser escritora de ficção infantil foi a base para a realização do sonho mais antigo

“Eu primeiro escrevi ficção pra crianças pra depois ter coragem de escrever ficção adulta. E na verdade quando eu comecei a escrever e fiquei incomodada, pensei: ‘Por que eu vou escrever um livro de ficção se eu sou jornalista?’ Mas aí eu falei: ‘Eu já escrevi livro de ficção, ficção pra crianças, então eu posso escrever’. Escrever, para mim, não é mais uma coisa que eu resolvi fazer, é o sonho mais antigo que eu tenho.”

 

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Jorge Luiz de Souza

Jornalista, editor do portal avosidade e avô de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia

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6 Comentários

  1. Realmente eu jamais pensaria que uma pessoa tão séria,tão entendida em política e assuntos importantes desse país, pudesse ser uma avó coruja e emocionada diante dos netos. Numa coisa ela tem razão, depois que nos tornamos avós viramos pessoas melhores, que damos mais valor ao tempo da nossa vida, pois também podemos curtir mais nossos netos,que são presentes de Deus para nos alegrar.

  2. Parabéns Miriam pela vovó maravilhosa que é! Ainda não sou avó, mas espero um dia poder desfrutar dessa magia que transforma até os corações mais duros. Tive a oportunidade de conhecer bisavós e vós e tenho fresco em minha memória as músicas e histórias que elas contavam. Tenho onze sobrinhos-netos que amo de paixão e espero ser lembrada por eles no futuro com o mesmo carinho, amor e saudades que tenho das minhas bisas e vós.

  3. Parabéns! Amei seu texto Mirian. Ao le-lo fui me identificando, me vendo nas entrelinhas. Penso como você! Também faço questão de ser uma avó presente e cuidadosa nas minhas intervenções junto aos pais. Bjss!!!
    Não conhecia essa sua faceta de escritora infantil. Passei a te admirar ainda mais…

  4. Adorei Miriam, já te admiro como jornalista, agora então mais ainda, também sou vovó , e você escreveu exatamente o que sinto. Um grande beijo.

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