Gerações

Os quatro anjos

A neta Sandra com a vovó Cândida e os filhos Jessica e Henrique

► Há 44 anos, numa noite fria de julho, entra pela sala de uma vizinha, que olhava por mim e pelo meu irmão naquele dia, a minha madrinha. “O papai do Céu levou a mamãe.”

Não entendemos muito bem o que aquilo significava de verdade. Sabíamos que era uma coisa triste… Todos passavam a mão na nossa cabeça e diziam “coitadinhos… tão crianças ainda”.

Nos próximos meses, após aquele 18 de julho de 1971, nossas vidas mudariam para sempre.

Eu tinha 10 anos e meu irmão, 8 anos. Meu pai casou-se de novo – ele tinha apenas 33 anos e acho que estava mais perdido do que nós – e sua nova mulher não quis que morássemos com eles. Foi aí então que descobrimos que o papai do Céu não tinha nos deixado sozinhos. Fomos acolhidos por quatro anjos… nossos avós!

Primeiro, moramos com os pais da minha mãe, a vovó Olívia (que mais tarde, viemos a saber que se chamava de verdade Percelíbia!) e o vovô José. Eles sempre foram muito presentes nas nossas vidas… só não tínhamos nos dado muito conta disso. O vovô José nos levava todos os anos ao então Salão da Criança, no Ibirapuera, foi ele que nos levou ao zoológico pela primeira vez, ao circo, ao cinema no centro da cidade (lembro bem do filme Pinóquio…). E, vez por outra, nos levava à feira onde ele trabalhava. Ele era feirante e tinha uma barraca de legumes. Naquele dia, na verdade, ninguém trabalhava, nem ele e muito menos nós! O vovô ficava o tempo todo passeando com a gente, um em cada mão, para cima e para baixo, nos apresentando a todos com muito orgulho: “Estes são os meus netos”.

A vovó Olívia era a coisinha mais doce… coisinha mesmo! Ela era bem pequenina, mas o amor que tinha por nós… não havia como medir!!! Fazia todas as nossas vontades, da melhor forma que podia. A vida naquele tempo, era bem apertada. Mas éramos tão felizes… Meu irmão dormia com ela todas as noites de mãos dadas!!! Ela adorava fazer as coisas que mais gostávamos de comer: as panquecas, as batatas coradinhas…o bolo fofinho!!! E quantas vezes deixou meu irmão comer o requeijão de colher!!!

Com eles, conhecemos o amor incondicional! Porque começamos, nessa época, a entender o que isso significava. Depois, vovó e vovô se separaram. Cada um foi para seu lado. Vovó foi morar muito longe e, então, passamos a viver com os pais do meu pai.

Não éramos, até então, muito ligados à vovó Cândida e ao vovô Joaquim… acho que essa história de que os filhos se apegam mais aos avós maternos tem lá um pouco de verdade.

Eu tinha 15 anos e o Marco, meu irmão, 13 anos. Nessa época, questionávamos o fato de termos sido “abandonados” pelo meu pai após a morte da minha mãe. Hoje percebo que foi a hora certa para morarmos com eles. Vovô era muito severo e acho que isso foi fundamental para que não nos rebelássemos e conseguíssemos seguir em frente. Só me dei conta da minha proximidade com a vovó Cândida depois de adulta e já mãe. Foi ela quem apresentou à minha filha Jessica batons, cremes, perfumes e afins. E o meu filho Henrique amava o “arroz de franguinho” que ela fazia! E por mais que eu me empenhe, ele, hoje já um homem, diz que não fica tão gostoso quanto ao da vovó Cândida (eu bem que tento, Henrique!).

Mesmo com todas essas demonstrações de amor ao longo do tempo, só depois de adulta consegui assimilar que eu e meu irmão não éramos uns coitadinhos, que tinham perdido a mãe e sido largados pelo pai. Éramos, isso sim, abençoados por temos avós queridos do nosso lado sempre!

Foram eles que criaram eu e meu irmão, que nos ensinaram a amar, a perdoar, a sermos pessoas dignas e responsáveis.

E foram eles também que nos ensinaram a mais dura das lições: a consciência do que é ter alguém amado ser um dia levado para morar com o papai do Céu!

 

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5 Comentários

  1. Avocidade*
    Se alguém passar pela vida sem experimentar ser avó, perdeu da vida a parte mais perfeita! O ápice da existência, eu penso. Vi meus pais se tornarem avós e não entendia muito bem a relação que se configurava nesse encontro entre eles: avós e netos! Também não pensava nisso porque não me dizia respeito. Eram relações/sentimentos que só me encontrariam muito tempo depois.
    Quando esse tempo chegou eu meio que me confundi. Não parecia que eu, tendo educado e criado três filhos, pudesse ter dúvidas ou me sentir na completa ignorância. Pois ocorria de me perceber como inútil aprendiz. Queria fazer o melhor, mas nunca achava estar acertando.
    O enlevo, o encantamento dessa relação me foi desvelado um dia de forma muito clara: dormiam no berço amplo dois bebês. Dormiam e eu os observava. Ambos muito fofos e bonitos. Ambos com aquele cherinho que ninguém resiste, ambos bem postos em sua indumentária atraente e deliciosamente embalados pelo sono. Fiquei ali olhando e descobri que meu olhar não se detinha nos bebês de modo igualitário. No bebê visitante, meu olhar passava de modo admirativo, constatando que era um bebê realmente bonito. No outro –meu neto – nem tinha importância a beleza. O sentimento que me envolvia ia além do físico. Ele era o tudo!
    Após dezesseis anos, o sentimento não mudou. Entre um grupo eu enxergo, de forma ressaltante, a sua figura. E tento enxergar além, tento vislumbrar um tempo que não desfrutarei, um futuro que não me pertence. Tento adivinhar se ele será feliz! É o desejo de uma avó: seja feliz, por favor! Avoco a mim o poder de envolvê-lo nessa corrente de buscar a felicidade!
    *a palavra não existe, Inventei. ‪#‎avocomfelicidade‬‬
    waa -Wanderly Araujo
    Caraguatatuba, 11 de janeiro de 2015

  2. Minha mãe faleceu em 1965 com apenas 37 anos. Deixou 7 filhos. A mais velha com 15 anos e o mais novo com 23 dias. Meu pai tinha 41 anos. Ele não se casou de novo. Trouxe pra morar com a gente a mãe dele, vó Adelina, então com 67 anos, que foi nossa segunda mãe. Gratidão enorme com a avó paterna, que faleceu com 99 anos. Grande mulher, minha avó. Linda sua história.

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