Gerações

Ricardo Viveiros: avô antes dos 40

O escritor e jornalista Ricardo Viveiros com seus netos Juliana e Lucas, que hoje já são adultos e apostam que o avô chegará ao estágio de tataravô

● Entrevista com o escritor e jornalista Ricardo Viveiros

 

O jornalista Ricardo Viveiros pode dizer que faz parte de uma minoria: tornou-se avô antes de completar 40 anos! “Ser tão jovem me fez amigo dos meus filhos e netos”, revela ao avosidade. Os dois netos já perderam o pai, filho mais velho do Ricardo. Ele conta como deu uma força para a família se unir, apesar da perda.

 

Os filhos e netos de Ricardo Viveiros gostam de brincar com a juventude do escritor e jornalista: vivem fazendo contas. “Você pode ser bisavô com 85 anos!”, concluem, admirados. Criar uma segunda e uma terceira geração tão cedo teve seu lado positivo, explica o carioca de 65 anos, que já trabalhou em jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, além de ter publicados contos, biografias e até livros infantis, modalidade na qual estreou já sexagenário – o primeiro livro infantil foi inspirado na morte do mais velho da prole.

Na casa de Ricardo, os filhos podem até se confundir com os netos: os filhos têm 22 e 14 anos, enquanto os netos estão com 26 e 20. Depois de ter perdido tragicamente o primogênito (que teria 45 anos) e um dos netos num acidente de carro, há quase duas décadas, ele ajudou a segurar as pontas da família. “Pai é pai e neto é neto”, afirma. Mas todos tiveram direito à sua atenção especial com o “cantinho da leitura”, confecção de álbuns de viagens e outras estripulias do comunicador. Quando o assunto é dedicação e carinho, não faz distinção: “Amor é amor”.

Os jovens sempre contaram com ele até para os segredos. Gostavam de revelar o primeiro beijo, a primeira paixão, a primeira desilusão. “Fui junto comprar o primeiro sapato alto”, orgulha-se.

Depois de exilado pela ditadura militar, desde que voltou ao Brasil, estabeleceu-se em São Paulo, onde moram também os descendentes todos. Ele afirma: “Somos todos muito próximos. Agora que participo de algumas homenagens por completar 50 anos de jornalismo, todos sempre estão presentes. Depois da morte do meu filho, eu os uni mais ainda, para que eles se gostassem”.

Confira os melhores trechos da entrevista com o jornalista e escritor Ricardo Viveiros:

BATENDO RECORDES  Os filhos e netos se divertem pensando na pouca idade do avô. “Acho bonito porque apostam na minha longevidade”, diz, rindo

“Tenho livros sobre Artes Plásticas, biografias, livros de estórias, de contos, mas comecei a escrever para criança depois de velho, com 60 ou 61 anos, já avô. Fui avô pela primeira vez aos 39 anos. Fui pai aos 20 anos, avô aos 39. Meus filhos estão apostando que serei bisavô e tataravô. Eles ficam fazendo contas, meus filhos e meus netos e falam: ‘Você vai conseguir antes dos 85 ser bisavô, com 90 e poucos vai ser tataravô!’ Eu acho isso bonito porque ficam apostando na minha longevidade. Eles querem que o pai, o avô esteja vivo…”

AVÔ E PAI AO MESMO TEMPO  Desde que perdeu o filho mais velho em um acidente, Ricardo teve que colaborar na função de educador também com os netos

“Eu perdi o Ricardo (filho) quando ele tinha 26 anos. Um sujeito bêbado avançou um sinal de trânsito, um farol, bateu no carro dele e matou o Ricardo e minha neta caçula que então tinha sete meses. No carro estavam minha nora e meu neto do meio, que sobreviveu, tinha um ano. Hoje tem 20 anos e estuda Jornalismo. E minha neta, tinha sete anos, não estava no carro, felizmente. Hoje tem 26 anos, formada em Marketing, na área de Publicidade, e que está concluindo uma pós-graduação com nota 10. Meus filhos e meus netos são todos muito estudiosos. Muito carinhosos, muito amigos, muito próximos. E eu também, talvez por ser tão jovem, mas por ter educação, cultura, informação, eu criei esses meninos como amigos, e a menina também, e fui um pai educador talvez diferente, até por falta de competência, por ser muito jovem.”

ENSINAMENTOS PARA OS MAIS JOVENS  Ética, respeito, mas acreditar na vida e ter esperança, e, além de tudo, lutar e exigir direitos, são os lemas do pai e avô para os mais novos

“Eu sempre procurei mostrar a importância da ética, do respeito, da educação, do aprendizado. Eu dizia pra eles: ‘Vocês têm que aprender, não por tirar nota boa, não por passar de ano, não por almejar um diploma, e sim por aprender. A vida vai ser melhor ou pior, não é que vai ganhar mais ou menos dinheiro, a vida não é isso. A vida é conhecer, aprender, é crescer, todo dia um pouquinho. Sempre falei pra eles a importância de respeitar o próximo, de acreditar na vida, de ter esperança, de lutar, de exigir direitos.”

LIÇÃO DE VIDA  Um dos motivos do jornalista ter lutado por 15 anos pela condenação do motorista que atingiu o carro de seus familiares foi o exemplo para os netos: “Não foi por vingança”

“O sujeito que matou sumiu. Fez um B.O. (boletim de ocorrência policial) falso de acidente sem vítima pra receber o seguro, não socorreu as vítimas, desapareceu. E eu lutei 15 anos. Mudava a lei, eu mudava o processo e tal. Até o dia que eu achei o sujeito. E não por vingança, porque é um sentimento que não passa pelo meu coração, nem por reparação financeira muito menos, eu levei o sujeito ao tribunal, pedi ao juiz para ouvi-lo separado da minha nora, de mim, e ele foi condenado. Um caso raro naquele tempo. Hoje mudou a lei, nós trabalhamos, lutamos e hoje a lei é mais séria, mais rigorosa. Ele foi condenado a um ano e nove meses, recorreu e baixou para um ano e dois meses, pela morte de duas pessoas, mas foi condenado. Então finalmente, 15 anos depois, eu enterrei definitivamente meu filho, cumprindo a lei do meu país. Foi outra lição como aquela que eu dei a ele, eu dei aos filhos dele, já crescidos, de que você deve lutar pelos seus direitos.”

FILHO É FILHO, NETO É NETO  “No meu caso, ajudo porque eles perderam o pai”, conta. Mas explica: “Você não tem com o neto a mesma responsabilidade que tem com o filho”

“Eu sou um avô que tenho um entendimento diferente do que seja avô. Filho é filho. Neto é neto. Neto não é filho, filho não é neto. Com filho, você tem maior responsabilidade, comprometimento, envolvimento. Precisa dar limite, impor, exigir, orientar. Não que não possa fazer isso com neto, mas o papel é do pai e da mãe do neto. No meu caso, eu ajudo porque eles perderam o pai. Mas neto é diferente. Você é amigo também, orienta e dá conselho, mas não tem a responsabilidade que tem com o filho. Ser pai é uma coisa e ser avô é outra coisa. Ser avô é mais divertido do que ser pai. É mais prazeroso. Neto é uma alegria permanente. Minha mãe dizia um negócio interessante. Às vezes meus filhos ficavam com ela e faziam uma coisa errada e eu dizia ‘Mamãe, você não brigou com ele?’ ‘Eu não! Quem briga com ele é você. Eu daqui a pouco morro e quero que ele tenha uma imagem minha que vovó era legal”. É mais ou menos isso, a grosso modo, que é a coisa de ser avô. Claro que tem responsabilidade, paixão, amor carinho. É você ali de novo revivido. Tudo isso é verdadeiro. Agora, filho é filho e tem uma série de compromisso e neto tem outro tipo de compromissos. Eu misturei isso um pouco porque eu ajudei a criar os netos, por uma tragédia do destino. Mas avô é uma coisa, pai é outra.”

É SEMPRE DIFERENTE  Os pais são diferentes com cada filho, dependendo da fase da vida, explica Ricardo. A atenção que pode ser a mesma: “Sempre soube a primeira paixão, a primeira decepção…”.

“Eu fui um pai diferente pra cada um dos filhos. Claro que é o mesmo pai, o mesmo amor, carinho, atenção. Só que, num momento da vida, você tem mais dinheiro e menos tempo, no outro mais tempo, outro momento você não tem tempo nem dinheiro. Como eles são de três momentos diferentes, eu fui pai diferente. E com os netos, acabou acontecendo a mesma coisa. Eu fui avô da Juliana muito menino. Era um avô-pai, avô-companheiro, avô-irmão mais velho. Com meu próprio filho mais velho, eu ia jogar sinuca com ele, jogar futebol… Quando eles são pequenos, a diferença é muito grande, mas, quando crescem, fica igual. É curioso isso. Eu sempre ajudei a fazer trabalho de escola, não fazendo por eles e sim dando elementos para que eles fizessem melhor. Eu sempre fui companheiro, eu que soube sempre o primeiro beijo, a primeira paixão, a primeira decepção. Eu que comprei o primeiro sapato alto, levei pra ver a praia, pra ver isso, pra ver aquilo.”

A TURMA DO CHITÃO MALATÃO  Este é o nome que o neto Lucas inventou para a família: “Não me pergunte que eu não sei explicar, nem ele”. Segundo Ricardo, a turma ficou ainda mais única com a morte do filho.

“Sempre fui muito presente. Eu viajava com eles quando eram crianças, durante muitos anos. Um deles, o Lucas, criou a Turma do Chitão Malatão – não me pergunte que eu não sei explicar, nem ele. A Turma do Chitão Malatão fazia um vídeo! Tinha um figurino, o cenário do filme, locações, patrocínio… e entregava um vídeo pra cada um. E fazia um álbum de fotografia: A Turma do Chitão Malatão Viaja a Tal Lugar. E fazia o que meu pai fez comigo, o “cantinho da leitura”. Todos eles tiveram cantinho da leitura. Fazia a estante, botava os livros: primeiro aqueles só de figura. Tinha o horário de leitura, tudo… Hoje todos gostam de ler, é como escovar os dentes, faz parte da vida… como ir ao cinema, ao teatro… museu, ele vão. Eu fui me envolvendo e fazendo uma convivência harmônica entre todos.

 

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Elisabete Junqueira

Publicitária e jornalista, fundadora e editora do portal avosidade, avó de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia Marie

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