Gerações

Uma lição em busca do equilíbrio

Roberto Baraldi é neto do imigrante italiano Giuseppe

► Meu avô paterno nasceu Giuseppe Baraldi, mas virou José Baraldi ao chegar ao Porto de Santos, em São Paulo, como imigrante. Ele veio ao mundo na pequena Mirandola, terra de Pico della Mirandola, o último sábio universal, aquele que escreveu o Discurso sobre a Dignidade do Homem, texto inaugural do Renascimento. Minha vontade e mania de ser sábio universal, colecionando a maior quantidade possível de informações sobre os temas mais variados, certamente vem de algum gene ou molécula remanescente da honorável cidadezinha, localizada na planície modenesa.

Como quase todos os imigrantes italianos que desembarcaram em São Paulo, meu avô e seus irmãos estavam destinados a colher café, substituindo a mão-de-obra escrava então recentemente liberta. Trata-se da segunda etapa da imigração italiana, promovida pela República já em fins do século XIX , e distinta daquela que Dom Pedro II patrocinara na metade do mesmo século, com o objetivo de colonizar áreas ainda não ocupadas do território, como as serras do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo.

O imigrante paulista vivia nas fazendas e trabalhava na lavoura principal – no caso, o café – podendo também explorar com culturas diversificadas algum pedaço de terra como meeiro do patrão. Já os imigrantes desbravadores do Rio Grande e do Espírito haviam recebido 25 hectares de terra por família, em propriedades aglutinadas em colônias, servidas por estradas rudimentares (picadas).

Esta diferença de modelo de imigração explica porque as colônias se mantêm até hoje, preservando dialetos, hábitos e estilo de vida rural europeu, como na Serra Gaúcha. A terra transmitida de geração a geração segurou as pessoas no campo. Em São Paulo, o vínculo com a terra era tênue e os imigrantes acabaram se deslocando para as cidades, influenciando decisivamente a cultura urbana paulista.

No início dos anos 1940, meu avô era meeiro em Amparo, São Paulo, e plantava principalmente milho, algodão e arroz de sequeiro. Uma seca persistente arruinou três safras seguidas e levou meu avô a procurar outras opções de sobrevivência. De trem, ele chegou a Santo André em 1942, estudando as possibilidades de trabalho para instalar a família. Uma curiosidade remanescente desta época é a caderneta de salvo-conduto.

O Brasil declarou guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em agosto de 1942. Os estrangeiros destas três nacionalidades passaram a ser vistos com suspeita. Quando se deslocavam de uma cidade a outra, precisavam portar uma espécie de passaporte no qual registravam sua ausência temporária junto à autoridade policial e se apresentavam à delegacia de polícia da cidade de destino. Exatamente como numa viagem internacional hoje em dia.

Em Santo André, em um bairro chamado Camilópolis, à margem direita do rio Tamanduateí, ele fez sua vida. Trabalhou como pedreiro e construiu casas para alugar, obtendo rendimentos suficientes para criar seus seis filhos, que também criaram bem seus filhos, povoando assim a gloriosa Santo André, que se orgulha de ser a terra mãe dos paulistas.

Meu avô viveu intensamente seus 97 longos anos e deixou inúmeros ensinamentos transmitidos por seus filhos e netos aos pósteros. Uma das lições que mais me agrada é uma lista que revela se você está equilibrado ou não, uma espécie de check-list. Em resumo, é o seguinte:

Todo homem deve sentir de modo harmônico e equilibrado vontade de comer, vontade de beber, vontade de dormir, vontade de transar, vontade de trabalhar, vontade de ir ao banheiro (usam-se os sinônimos evacuar ou obrar) e vontade de rezar. Se uma das vontades lhe falta, você está manco, em desequilíbrio e deve investigar o porquê. Meu avô sempre gostou de beber – vinho e cachaça, principalmente – mas sempre aplicou a regra a este hábito. Você pode beber enquanto isto não afeta sua vontade de trabalhar e de comer, por exemplo. Se afetou é porque você passou do ponto.

Você não deve jamais beber a ponto de ficar com sono e deixar de lado a vontade de transar. Tampouco deve comer muito para não atrapalhar seu sono, nem dormir demais a ponto de atrapalhar seu trabalho. A vida mundana do trabalho, dos prazeres à mesa e dos amores não podem afastá-lo do cultivo de uma certa espiritualidade, pois é isto que nos conecta ao universo, nos acalma nas noites escuras e nos transcende do próprio tempo e espaço em que habitamos.

É um ensinamento de concepção simples, mas de muita utilidade para o autoconhecimento. Pode-se até dizer que é holístico e muito abrangente, exatamente como convém a um legítimo conterrâneo do último sábio universal.

 

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