Uma avó bem portuguesa
● Entrevista com a vovó Maria Idalina Baptista
► Vovó de caráter extremamente afetuoso, generoso e solidário, Linita tem cinco netos e acompanha com preocupação o conflito de gerações porque entre ela e eles os abismos são grandes. A avó teve poucos anos de estudos e vive em uma aldeia no interior de Portugal, e seus netos sequer falam seu idioma, estão em outro mundo, do outro lado do Oceano Atlântico, em Toronto, no Canadá, onde a vovó morava até ficar viúva em 2015.
As diferenças culturais e na forma de educar as crianças, que são tema frequente aqui no portal avosidade, ganham dimensões extremas nesta entrevista. Linita nasceu em Portugal, na pequena aldeia de Arganil, durante o salazarismo, e tem uma história muito comum entre seus conterrâneos: foi buscar uma vida melhor em outros países, como já tinham feito o pai dela e o avô, e, como eles, depois voltou para Portugal.
Os netos Alex (19 anos), Lorena (16), Madeleine (15), Cristiano (9) e Sofia (8) são todos da mesma filha (o outro filho mora em Portugal e não tem filhos). Ela vive na casa construída pelo avô com o dinheiro que ganhou no Brasil nos primeiros anos do século 20, a Vivenda Baptista, em Arganil. Grande parte dos seus alimentos ela planta e colhe no quintal própria casa.
Católica fervorosa, ela participa ativamente das festividades religiosas no Santuário de Fátima, que fica a poucos quilômetros de onde ela vive. É ferrenhamente contrária ao consumismo e diz que os pais que substituem por presentes o tempo de atenção que deveriam dedicar aos filhos. Também reclama da falta de limites na educação doméstica…
Os principais trechos da entrevista estão nos vídeos a seguir.
Traumas
Os pais têm hoje medo de tudo, não podem nem gritar com os filhos
“…porque têm medo de tudo, não se pode fazer isto porque o menino fica traumatizado. Pelo menos em Toronto é assim, não se pode gritar com um filho, não se pode dar uma palmada se ele merecer porque ele vai à escola e a escola manda um policial à casa. Até miúdos mais travessos já têm feito isso e os pais são chamados à escola porque ralharam com o menino. Então, como é? E quando se porta mal, a professora toma conta dele? Vai levá-lo pra casa dela, para educar? Está muito complicado essa geração assim.”
Compras
Perguntando para a filha por que ela não controla o dinheiro dos filhos
“Eu por exemplo com a minha filha, digo-lhe assim: ‘ó, filha, faz assim desta maneira, daquela ou doutra’. Ela umas vezes cala-se…porque sabe que já não tem pulso para isso. Outras vezes, eu diria: ‘mas, filha, por que lhes destes o cartão de crédito?’ – ‘ó, mãe, eles têm o dinheiro deles’ – ‘têm o dinheiro deles, mas devia ser controlado, precisas disto, precisas daquilo, a ver assim. Tu não podes fazer como eu te fazia a ti e ao teu irmão? O tempo todo iam sempre iam com dinheiro. As eu dizia assim (eram escudos), eu dizia assim: ‘tu levas 50 escudos ou 100 para comprares, mas levas estes, qualquer coisa, nunca sabes se tu onde estás precisas de chamar um taxi ou uma coisa qualquer, mas ninguém sabe que tu levas este dinheiro, tu escondes num sítio qualquer, porque vais com teus amigos, vais com tuas amigas, elas não têm necessidade de saber que tu tens dinheiro a mais. Isto é para uma coisa, pronto!’ Era como a minha mãe nos fazia. Agora não! Agora se possível for, leva o cartão da cartão dela, leva o da mãe, leva isto. leva aquilo, e vai a gastar assim. Às vezes fazem: ‘ó, mãe, o que achas de oferecermos isto ou aquilo aos amigos’, e eu: ‘ó, filha, eu não vejo necessidade de ofereceres isto, eles têm coisas parecidas, agora vais a oferecer isto?’ Eles perdem tempo com isto tudo e depois acabam vocês por lhe tirar… porque têm que esconder isto porque senão eles não fazem mais nada.”
Compensações
Pais estimulam consumismo para compensar a falta de tempo para os filhos
“Penso que eles fazem essas coisas todas uma vez que não têm tempo para eles, para os filhos, e que dão essas coisas para compensar. E os avós agora nada podem fazer Podem fazer quando estão sozinhos, não é?… quando ficam com os netos. Quando estão os pais, já não, eu agora já tenho até dificuldade…”
Língua
Dificuldade adicional com os netos que só sabem inglês e holandês
“Com os mais velhos, tive também dificuldade porque quando fui a viver com eles: um tinha seis, outro tinha quatro e o outro tinha dois, e o pai faleceu… Eles não falavam nada português, porque minha filha fala português e o marido falava holandês e inglês, não tinha sentido minha filha estar a falar português com os filhos, e muitos casos ela fala português com os filhos e eles falam em holandês, mas a língua é… e tem o inglês que é a língua do país, não é?, e eu, naquela altura, tinha pouca convivência com os meninos porque eles só cá vinham a estar duas ou três semanas no verão. Depois deu-se a doença do meu genro, nós fomos e ficamos lá, a ajudar minha filha com as três crianças, os meninos estavam tão embaralhados, todos os dias eram a chorar que queriam o pai, e a gente tentou tudo por tudo para não os embaralhar mais, e falávamos com eles em inglês… e deixamos também avançar demais, dávamos mais mimos, reconheço nessa altura, e a minha filha aí perdeu o pulso com os filhos, o marido morreu… Aí, eu dizia: ‘ó, filha, não é assim, olha os meninos’, e ela: ‘ó, mamãe, já basta terem perdido o pai, ainda vou eu a estar eu agora assim também, pois’. Ela hoje vê-se aflita com eles, se não fosse o Christopher (segundo marido da filha) dizer ‘é assim, é desta maneira, é daquela’, outras vezes eu disse a ela: ‘eu faço, eu ajudo, mas tu que és a mãe, portanto, dá-lhes estas ordens’, e ele diz: é isto, é aquilo, e não vão fazer desta maneira ou daquela’. É assim, é difícil, não é? Quando são nossos filhos, a gente sabe doutra maneira. Quando é os netos…”
Modernidades
Questiona se é evolução na educação o que considera ser falta de respeito
“Eu não ia poder criar os meus filhos… meus netos como criei meus filhos, não é? Eram outros tempos, outras maneiras de viver, era um país mais pequeno, não podia exigir dos meus netos como os meus filhos, mas em questão de educação, eu acho que havia de haver mais respeito, lá que tivesse estas coisas todas, mas quando a mãe diz é assim é dessa maneira ou daquela não obedeciam, daquelas a falar mais alto que a mãe, ou dizer não, ou a mãe a pedir isso e aquilo e vão a bater o pé por aí fora para fazer as coisas. Não, isto não tem nada a ver com a geração, com a evolução do tempo. Eu, quando a minha filha diz alguma coisa e eu vejo aqueles netos já grandes, o de 19 já nem tanto, mas a de 16 e a de 15, a bater aí com os pés no chão e pela escada acima e chegam lá acima, pam! – batem, arrombam com a porta ao chão… Ah, isso para mim não dá. Eu queria ir à polícia, eu iria lá para a cadeia fazer renda ou ler um livro, pois, claro, mas que ela levava umas palmadas, ela não batia mais a porta nem batia mais o pé no chão. Então, isso tem alguma coisa a ver com a evolução, com as internets, com estas coisas?”
Repreender
Pais dizem que não têm um minuto livre para dizer “isso não se faz!”
“Eu tenho 4ª classe, já feita há 60 anos, mas sou incapaz de bater a porta ou bater o pé no chão seja a quem for. Pode uma pessoa precisar de isto ou aquilo, eu, nem que esteja zangada com essa pessoa, eu entrego, eu dou-lhe, não atiro. Eu penso que hoje é… pronto, não é questão de dizer que os pais não têm tempo, mas para reprender a gente tem sempre 5 ou 10 minutos e para dizer: ‘isto não se faz, nunca mas me voltes a fazer isso!’ – e não fazer mais.”
Dias d’hoje
Com os jovens, hoje em dia, se ensina, mas amanhã eles fazem igual
“…”
Outros tempos
Vóvó ri da própria incapacidade de influir nas vidas dos netos
“…”
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