Voa, vovô, voa
● ● “Estava sonhando e viria a lembrar o melhor dos meus sonhos”
► Raríssimo, ele reapareceu na madrugada de 14 de junho deste confuso ano de 2019. Depois de caminhar por muito tempo num lugar desconhecido, entrava num edifício sombrio e subia uma escada de madeira cada vez mais íngreme e perigosa, com degraus danificados. voa
Algo me levava a subir. Lá em cima, a escada dava para o exterior do prédio, incrivelmente alto. Parecia que o chão ia faltar. Faltou. Comecei a cair. Veio o pavor e de repente a sensação de que, braços abertos, eu começava a voar. O pânico permanecia, na dúvida se seria possível controlar o voo.
Em seguida, o alívio e um prazer crescente. Conseguia voar como os pássaros: planava, descia, subia, via as cidades, os campos, as praias. Eu, que pertenço à parte da humanidade que raramente se lembra dos sonhos, estava sonhando, e viria a lembrar, o melhor dos meus sonhos.
Fui despertado do sonho prazeroso pelo alarme do celular, às 3h30 da madrugada. Eu e Sonia tínhamos de nos aprontar para acompanhar três horas depois o nascimento do nosso primeiro neto. E vimos através do vidro da sala de parto o Emmanuel chegar na hora marcada, lindo e cabeludo.
Mais três horas e lá estava ele no quarto da maternidade. Mais lindo ainda, saudável. E lá pelas tantas, Sonia sugere que eu o pegue nos braços. E o medo de pegar aquela coisinha tão pequena! Sonia insistiu e venci o medo.
Na hora em que o tive pela primeira vez nos meus braços, fiz o movimento de acalanto com os braços e me lembrei do sonho que tinha sonhado. Pois balançar Emmanuel nos braços me fez recordar os movimentos do voo, o prazer.
Era clara a alegria voa
Sou jornalista e, nos meus 40 anos de profissão, acompanhei a transformação da vida de dezenas de colegas que se tornavam avós. Viravam babões, mas era clara a alegria trazida pela vinda dos netos. Quando soube que seria avô, estas lembranças não só me tranquilizavam como me animavam.
Encerrei com tranquilidade uma excelente experiência profissional no jornal Correio da Bahia, em Salvador, e voltei a São Paulo para acompanhar o final da gestação do Emmanuel e seu nascimento na região da minha amada Avenida Paulista (grato Luanna, mãe mais cuidadosa e amorosa impossível!).
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Para mim e para Sonia tanto a gestação quanto os primeiros dias de vida do Emmanuel eram uma experiência nova, ainda mais gratificante. Nosso filho único, Eric, foi adotado quando ele tinha 18 meses. Estamos então vivendo juntos com os pais momentos de aprendizado, de agonias e alegrias novas. Com a ajuda de familiares e amigos. Babando, claro.
Tornar as dores menos doídas
Além de avô, sou pai, cidadão brasileiro, cidadão do mundo. Sei das dificuldades, muitas, que estamos todos vivendo e que viveremos. Mas neste momento, me desculpem, Emmanuel consegue tornar menos doída as dores do mundo. Disse em inúmeras palestras a jovens jornalistas que nossa profissão nos permite acreditar que podemos melhorar o mundo.
Muito, pouco, ou quase nada, não importa. O importante é a vontade de melhorá-lo. Emmanuel revigorou em mim este desejo. Ele e todos os bebês do mundo merecem um mundo melhor, do qual somos cuidadores, cada qual com sua responsabilidade.
Mas me desculpem. Emmanuel está chorando. Deve ser cólica. Vou parar de escrever para pegá-lo no colo. Dizem que consigo acalmá-lo. O que faço é cantar cantigas de ninar, assoviar uma boa música e fazer balanço.
Digo pra ele: “Voa, Emmanuel, voa”. Nesta hora ele parece agradecer, fixa seus olhinhos escuros no meu e retribui, como se soubesse do meu raro sonho: “Voa, vovô, voa”.
Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então.
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Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então. Então.
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