Gerações

Quem disse que saudade tem cura?

Maria Fernanda relembra seu avô e padrinho, "logo, quatro vezes o meu pai"

► Lá se vão 30 anos e tudo aconteceu como se fosse ontem.

Mas contar essa estória não teria sentido se não a iniciasse pelo fim. Se é que existe fim.

Eu, às portas dos meus 12 anos, ao lado do meu avô e ouvindo, em um abraço apertado do meu pai, as duras palavras: “Agora filha, você não vai ter mais quem lhe puxe as orelhas nas aulas de matemática”.

E o meu chão se abriu totalmente.

Passamos o dia ouvindo os lamentos e os choros inconsoláveis de toda a família que se preparava para o aniversário de um ano de uma das netas.

Foi-se o patriarca da família Leite Álvares em um dia onde só deveriam haver risos e alegrias.

Sim, sem mais puxões de orelha, questionários, arguições, aulas de futebol, passeios ao teatro, aos museus, e a apresentações de orquestras onde o peguei dormindo algumas vezes. Não haveria mais o turismo pela cidade e as histórias criativas e tão bem elaboradas pelo meu avô.

Meu avô, meu dindo, minha referência.

Diferente do que todos pensam ser o meu pai o grande formador das minhas opiniões e comportamento, deixei por todos esses anos que o meu coração duro, escondesse o vazio da sua ausência. Mas as vezes ainda procuro o chão.

Quantas travessuras eu fiz com meu velhinho. Quantas contas armadas, questões de raciocinio lógico e lições de vida. Ficávamos no sofá do apartamento conversando por horas. Minha avó só sabia que aquela companhia fazia bem para nós dois.

A brincadeira preferida eram os álbuns. Colecionávamos figurinhas e competíamos em quem completaria primeiro aquele livro mágico. Era o nosso mundo, os nossos segredos e os nossos finais de semana.

Eu não era a sua neta mais velha, eu era a sua filha caçula. E me encabulava tantas vezes quando assim me apresentava aos seus amigos e companheiros de trabalho.

Aprendi a tê-lo todos os domingos deitado no meu colo enquanto passava a loção nas suas “crequinhas da careca”. Quantas resenhas de futebol tive que discutir, e compartilhar a sua paixão pelo Ypiranga.

A sua retidão, a sua ordem, a sua seriedade no trabalho e nas causas da vida. Sim, era um vô chato quando se tratava de exposição a um pequeno sinal de perigo, mas um exímio protetor.

O seu olhar estava sempre por trás das ordens de D. Elza, matriarca, detentora da palavra final. Ah, a palavra final. Mal sabiam aqueles que pouco conviviam como eu que a palavra final era a dele. E eu vibrava com aquela logística familiar. Todos andavam sempre na linha, e até hoje se vê o respeito da minha geração aos mais velhos, a conduta, as atitudes sérias e responsáveis que foram plantadas ali, ao redor da mesa de jantar.

Dizem que quando a gente ama demais o tempo não para para as lembranças, e às vezes precisamos entrar de volta na casca para senti-la com a intesidade merecida.

Foram tantas coisas vividas e que nunca compartilhei. Guardei todinhas para mim e hoje me fazem tanta falta. Falta o seu colo, o seu conselho, o seu puxão de orelha. Falta você meu Vô Dindo.

E olha o resultado dessa nossa matemática: se avô é pai duas vezes e padrinho também é pai duas vezes. Sendo você meu avô e meu padrinho, logo, você é quatro vezes o meu pai.

E posso contar um segredo? Você sempre foi muito mais que isso.

 

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27 Comentários

  1. Que lindo Nanda, seu texto também fez-me recordar do meu avô, criatura extremamente amorosa e que nos deixou precocemente. Somos mesmo privilegiadas por ter exemplos tão importantes em nossas vidas. Beijo grande. Você leva muito jeito na escrita! Rsrs

  2. Ô Nan…você me emociona demais sabia minha prima mais velha!!! Lembrei tanto de “voinho” brigando pra não subirmos no pé de sapoti logo depois do almoço…pra não nos balançarmos “forte” demais no balanço…pra termos atenção com nossos deveres…pra jogarmos direito com honestidade…pra não brigarmos…ele era tão sério e tão doce ao mesmo tempo…quem disse que saudade tem cura né minha prima!!!

  3. Muito bom o texto! Mostra a importância dos pais dos nossos pais em nossas vidas: as referências de uma época, a educação diferenciada, o colo e o puxão de orelha, como fazem falta… Parabéns!

  4. Fui aluno , genro e colega ,
    Figura ímpar .
    De qualidades especiais , personalidade inigualável .
    Família sob seu comando desde os 14 anos
    Foi um filho , um irmão , um pai , um avô , um amigo , como poucos , um ser humano de destaque , muito bem retratado por minha sobrinha Nanda

  5. Parabéns Nanda! Que lindo e emocionante texto. Felizes são aqueles que tem e tiveram a oportunidade única de viver com seus avós. Muito lindo mesmo o seu texto. Bjs

  6. Eita que essa família resolveu abrir a caixinha tão preciosa de lembranças neste momento que estamos tão longe…e ficamos assim mais pertinho de todos os queridos que se foram! O que Aumenta ainda mais a vontade de aproveitar cada momento ao lado de todos que amamos, e poder proporcionar esse mesmo amor ao nosso filhotinho de 4 meses! Muito bom texto, Nanda, nosso vô Di se foi quando eu era muito pequenina, a lembrança que tenho vem do apelido que minha mãe diz que ele me chamava: – meu amor sorriso!

  7. Lindo texto, Nandinha!!!
    Voltei no tempo da convivência com os meus avós… Saudade gostosa de pessoas importantes e que tornam as lembranças com cheirinho de “talco”, regadas a amor e muito carinho!

  8. Adoro ler essas lembranças que os avós deixam com os netos, isso faz a gente pensar que um dia também poderemos ser boas lembranças na vida de nossos netos, que são essas pessoinhas muito especiais e que nos fazem tanto bem.Realmente eu pude vivenciar muitos e muitos momentos desse grande avô que foi DIINÁLIO, pois Deus me deu o privilégio de ser sua filha.Sinto saudades até hoje!

  9. Eita Nanan! Que lindo texto. Dá pra sentir o “sentimento”a cada palavra! Adorei o que você falou de voltar pra casca! Beijo no coração!

  10. É, Nanda…minhas lembranças não são muitas porém marcantes. Minha saúde sempre esteve nas mãos e cuidados dele, pulmão, alergias, furuncos e etc…e não foram poucas! Aliás, graças a uma aplicação – feita por ele – de adrenalina após um edema de glote, estou aqui pra escrever esse comentário…o que me dá certeza e um certo conforto é constatar que tem um pouco – talvez muito – dele nos filhos e em nós, netos. O respeito e o amor, como vc e minhas primas citaram aqui, são as heranças mais marcantes. Seu talento na escrita não é novidade pra mim, mas muito obrigado por me fazer recordar e me emocionar com essa pessoa tão fantástica que foi Vô Di.

  11. Lindo texto Nanda!! Lembrei tanto do meu pai. É tão bom expressarmos os sentimentos pelos que ja foram e representaram tanto na nossa vida. Saudade eterna! Beijos.

  12. Rapaz. Pegaram pesado.
    Sabem, por mais paradoxal que pareça, tenho “orgulho” de ter dado tanto trabalho a meu PAI. Foi quando Ele comprovou a capacidade de me tornar o homem que hoje sei que sou. estes mesmos valores que procurei passar para meus filhos, que nao sao apenas os biologicos. Esse Cara foi demais

  13. Belíssimo texto e muito emocionante Fernanda, lembro muito de Dr.Dinalio e de D.Elza, dele não só como profissional competente mas como amigo , e vizinho, e dela como uma amiga muito querida, os dois sempre muito prestativos.
    Durante toda minha vida, muitas pessoas passaram por mim, dia após dia. Mas somente algumas dessas pessoas, ficaram para sempre em minha memória. Essas pessoas são ditas amigas, e as levarei para sempre em meu coração.
    Um beijo carinhoso♥️

  14. Não me canso de ler, minha irmã. Texto maravilhoso, lindo, profundo e ao mesmo tempo leve! Essa linha de amor que foi a base de nossa família foi forte e deixou esse legado que nos une aonde quer que a gente vá. Isso é raro, para poucos. Poucas lembranças, mas muita honra por esse Avô Di!

  15. Nanda que coisa linda! Ví o meu avô que tambêm já não se encontra e assim como vc tenho muitos e muitos momentos guardados só pra mim! Lindo texto!

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