Minhas gêmeas!
● ● Histórias sobre um pingo de mel e uma jaguatirica
► No primeiro dia, estranharam a casa: uma delas perguntou à mãe quando iriam voltar pra Curitiba. No último dia da curta permanência em Vinhedo, ambas pediram à mãe pra ficar mais… e uma delas chorou pra não ir embora… gêmeas.
Ah, se elas pudessem mandar nos pais! Não as deixaríamos mais sair de Vinhedo e viveríamos em estado de êxtase permanente! Como elas são encantadoras! Como elas são cativantes! E como fazem falta!
Na vinda, os pais esqueceram a maleta com a roupa das duas… avisada por telefone, a vovó Susana foi às compras – vestidos, blusas, meias, calcinhas… mandou embrulhar tudo pra presente… quando as duas chegaram, uma quinta-feira no meio da tarde, foi aquela festa!
É impagável vê-las, com o rosto tomado por largos sorrisos, desembrulhar peça por peça, provar os vestidos, admirar as cores, a estampa – tão pequenas e tão femininas, tão mulheres!
Isadora e Manuela, pouco mais de dois anos de idade, filhas de Eli e Maira, são minhas netas gêmeas curitibanas… eu as vejo de seis em seis meses, se tanto…
Em menos de meia hora de permanência, levaram um primeiro susto com o assédio do novo morador da casa: ele é preto, esguio, elétrico… durante o dia, é chamado de Barack… à noite, melhor chamá-lo de “Demônio da Tasmânia”… é quase inacreditável a transmutação do vira-latas de cinco meses adotado pela vovó Susana:
– Havia dois pra doação lá na praça… eu trouxe o “bonzinho”, ela informa…
– Veja o que está fazendo aqui o seu “bonzinho”! – eu falo ao vê-lo transformado numa espécie de serelepe atômico, revirando a sala de ponta a ponta…
Susana reage:
– É, foi propaganda enganosa!
Dentinhos afiados
E foi o serelepe atômico que apavorou as gêmeas por inúmeras vezes… sem noção, ele queria brincar, mas saltava sobre elas com as quatro patas, e se revirava, e mordia com seus dentinhos afiados…
Foi só no quinto e último dia de permanência que elas davam sinais de que iriam aceitá-lo… perderam um pouco do pavor e continuavam no chão, persistindo na brincadeira… até então, ele as atirava, em pânico, no colo do pai, da mãe ou dos avós…
Digo que Manuela é um pingo de mel ambulante, afável, carinhosa! Já Isadora é ativa, enérgica, às vezes brava como uma jaguatirica… No segundo dia, logo pela manhã, as duas vêm me mostrar a blusinha nova, ambas com estampa de cachorro no peito:
– Vovô Pio! Este é o meu cachorrinho! É uma menina! – diz Manuela com o indicador direito apontando para a gravura…
– Manuela, cachorrinho-menina é cadela! O seu cachorrinho é uma cadelinha! – eu digo…
– Vovô Pio, esta daqui é a minha cachorro-dela, diz Isadora, sem ainda conseguir pronunciar “cadela”…
E assim passamos o dia, com muita risada e afeto, de ambos os lados…
Três brinquedos e as gêmeas
Uma hora, Manuela estava de pé, em cima da cadeira, e eu a convido a ir pra sala… correu na minha frente e foi me trazendo brinquedos – um macaco de pano, um cavalo marinho de plástico, uma estrela de papelão…
Postou-se em minha frente como se desejasse que eu desse início a alguma brincadeira… resolvi contar uma historinha envolvendo os três brinquedos… Isadora aproximou-se e ficou parada, em pé, a observar…
Eu conto:
– O macaco estava lá na floresta e, de repente, olhou para cima e… adivinha o que ele viu?
Manuela:
– Viu uma árvore!
– Não, Manuela! Viu uma estrela! Uma estrela, tá bom? – eu insisti mostrando a estrela…
Continuei:
– Aí o macaco pegou o cipó e voou, voou pra bem longe… lá na frente, ele olhou pra baixo e viu o mar… aí ele olhou firme pro mar e o que que ele viu?
Manuela:
– Viu peixinhos!
Eu ri muito e disse:
– Não, Manuela! Ele viu um cavalo marinho!
Isadora ficou ali paradinha, prestando muita atenção! Mais tarde eu peguei os três brinquedos e quis fazer uma demonstração para os pais dos dois deliciosos erros; com as duas de pé em minha frente, comecei:
– O macaco estava lá na floresta e de repente ele olhou para cima e adivinha o que ele viu?
As duas, numa só voz:
– Viu uma estrela!
Demos muita risada e eu continuei, agora sem nenhuma certeza do que iria acontecer:
– Aí o macaco pegou o cipó… e lá na frente viu o mar… aí ele olhou para o mar e adivinha o que ele viu?
As duas:
– Viu um cavalo marinho!
Terceira neta
No domingo, minha terceira neta, Laura, de três anos de idade, veio nos visitar… As três brincavam na sala com a mesa de centro forrada de canetinhas e pincéis… .Estou sentado ao lado do pai da Laurinha, meu filho Edu… ela se aproxima do pai e começa a pintar-lhe um dos braços com uma caneta e eu peço em voz alta:
– Laurinha, pinta um pouquinho o braço do vovô! – ela nem me olha, distraída…
Dali a instantes, Manuela se aproxima portando uma canetinha e fica parada me olhando como se quisesse dizer: “Eu estou aqui e quero lhe pintar o braço, posso?”
Abracei-a, apertei-a contra o peito e ofereci-lhe uma das mãos: ela fez um pequeno desenho. Comovido, me recuso a lavar a mão…
Gostaria que fosse uma tatuagem, indestrutível!
As três voltaram a se reunir no domingo para o almoço…
Estou ao computador e Laurinha chega apressada e nervosa:
– Vovô Dirceu, ela quer arrancar a Barbie da minha mão!
Não deu tempo de perguntar “quem?”, chega Isadora e mete a mão na boneca com força, arrancando-a… eu intervenho, tomo a boneca de Isadora e devolvo à Laurinha… Isadora a toma de novo e eu intervenho com uma primeira bronca em voz alta e grave:
– Não pode ser assim, Isadora!
Ela não ouve… saiu chorando pra cozinha… fui atrás temeroso de que ficasse alguma mágoa…
Que nada, minhas netas são sangue bom: permitiu que eu a acalmasse, aceitou meus afagos e sorriu…
O domingo passou como um relâmpago e na segunda-feira evitei-as o máximo que pude… era dia da partida e coração de avô tem de bater sempre no compasso… qualquer acelerada, pode ser fatal! Gêmeas…
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