Gerações

Paulo Tatit: musicalidade espontânea para crianças

Músico autodidata, Tatit faz canções voltadas para crianças, mas com letras bem elaboradas, arranjos ricos e gravações esmeradas

Entrevista com o músico da Palavra Cantada e avô de Fidel

O portal avosidade conversou com Paulo Tatit em um ambiente mágico: o estúdio do grupo musical infantil Palavra Cantada. Repleto de instrumentos e elementos lúdicos.

O local nos remete à infância – a nossa, a dos filhos e netos e outras infâncias que estão por vir. Paulo Tatit é arquiteto de formação e músico autodidata.

O projeto Palavra Cantada surgiu de forma despretensiosa, em 1994. A dupla musical é formada por Paulo Tatit e Sandra Peres. As canções, embora voltadas para crianças, se distinguem por terem letras bem elaboradas, arranjos ricos e gravações esmeradas.

O universo infantil é tratado de forma alegre e colorida, com profundo respeito pelas crianças, o seu jeito de sentir e pensar o mundo que estão começando a conhecer.

Além da música e do seu trabalho voltado para as crianças, Paulo fala da família, começando pelos avós, e também das filhas e especialmente do neto Fidel.

Nesta entrevista também vamos conhecer sua forma de perceber as inevitáveis mudanças, o que deve ser preservado e o que precisa evoluir.

Antes da Palavra Cantada, Paulo Tatit participou como principal arranjador do Grupo Rumo, destaque da vanguarda musical paulistana na década de 1980. E trabalhou como músico e parceiro do compositor Arnaldo Antunes, nos anos 1990.

Confira os principais trechos da entrevista.

 

A sensibilidade das crianças Paulo Tatit

O neto impactado com a música e a outra criança que chora

Lá em casa sempre tem um violão por ali. Se eu pego um violão, ele [o neto Fidel] não fica ouvindo eu cantar, ele fica alguns segundos ouvindo eu cantar, daí ele já vem batendo no violão, já vem… Mas, quando ele está no espaço dele e a música vem de um gravador, de um tocador de CD, vem do YouTube, de onde ela vier, aí você sente esse impacto. É muito comum isso na criança, a criança fica muito impactada com a música. Ela para. É uma coisa que imobiliza a criança. Porque você tem duas coisas: uma, quando a música tem um pulso forte, você tem aquela coisa que vai no corpo e a criança se manifesta com o corpo.

Mas, na maioria das vezes, eu vejo a criança parando para ouvir, pra sentir aquilo que está sentindo. Isso é muito forte. Eu vejo isso com crianças que não fizeram um ano. Emoções fortes assim a ponto de chorar. Aí tem aquela introdução de uma música, de um arranjo que a gente fez pra “A canoa virou”: “Rema, rema, rema, rema, rema, rema, ai, ai…”

Tem uma outra música, que é uma canção minha, que eu já vi uma criança chorando, e como a canção repete umas 8 vezes, ela chorava sempre no mesmo acorde. A canção repetia e ela chorava, chorava e parava. A criança tinha uns 6 meses. Era isso aqui, ó: “Hoje eu sinto que cresci bastante, hoje eu sinto que sou muito grande, sinto mesmo que sou um gigante, do tamanho de um elefante. É que hoje é meu aniversário e quando chega meu aniversário” – aqui ela chorava – “me sinto bem maior, bem maior, bem maior…” – parava de chorar…

 

Diferenças geracionais Paulo Tatit

Acabaram o CD e o DVD, agora as crianças veem tudo no YouTube

Eu acho que esse lance eletrônico pegou de vez. A minha filha Lua teve lá a infância dela nos anos 1980, 1990 e tal, estava em uma escola alternativa, então a infância foi tipo subir em árvore, brincar no barro e inventar as brincadeiras. E agora com a minha filha Luisa eu vejo que o negócio pegou mesmo. E agora você vê o Fidel. A minha filha Luisa ainda pegou ouvir música do CD, digamos. Ela tem 9 anos e a Palavra Cantada nem fazia clipe, a gente nem era encanado em fazer clipe. Pô, música é pra ouvir. É mais legal você ouvir música sem imagem. Mas não teve jeito, cara! Agora, sei lá.

A Palavra Cantada tem uns vinte e poucos anos, faz uns 6 anos que a gente foi entrando no mundo dos clipes, senão a gente estava fora do mundo. Então, as pessoas ouvem músicas, não existe mais CD, os aparelhos de CD já quebraram e não foram repostos. Os aparelhos de DVD estão quebrando e eles não estão sendo repostos e nem vão ser mais. A gente não vende CD. Não vende nada de CD. Nosso CD pode fazer uns cinco, um para mim, um para Sandra, um pra papai, outra pra mamãe. Acabou. O DVD ficou quase zero porque tem tudo no YouTube. As crianças veem tudo no YouTube. Então a minha filha de 9 anos ainda chegou a escutar música e o meu neto de 1 ano e 5 meses. Ele já é um cara da geração Youtube.

 

Mundo dos adultos e o das crianças Paulo Tatit

Ouvindo as entonações e tomando como matéria-prima para compor

Eu vou muito na escola da minha filha, vou buscar porque eu gosto desse encontro com os pais, e o ambiente é muito gostoso, esse ambiente da escola em que a minha filha estuda. Então você fica naquele mundo adulto, conversando, levando um papo aqui, um papo mais sério ali, e as crianças com aquele mundo paralelo, fazendo as coisinhas delas, correndo para lá e pra cá, acontece isso, acontece aquilo. Uma coisa mais agitada. E tô lá observando, eu tô vendo, as entonações delas, tudo isso é matéria-prima depois para a gente fazer música. E agora com o neto a gente fica com muito mais…

Essa afinidade que você tem, ela te leva pra uma coisa muito mais profunda, uma relação mais profunda com o sentimento da criança. Você fica se perguntando: o que esse cara está pensando agora? Ele se comunica com o nosso mundo e volta para o mundo dele. Esse mundo que a gente entende, alguma coisa que ele está aprendendo a falar. E então ele tem esse desejo de contar alguma coisa, mas não tem palavras ainda. Então balbucia umas sílabas, já tem as entonações da fala, mas não tem a fala. Então é, além de tudo, uma idade muito engraçada. Ele vira pra você e fala “uda-da-da”, umas quase-palavras assim, mas que têm um sentido mais aberto, mas faz sentido. É muito engraçada a comunicação não verbal que a gente tem que travar com a criança.

 

Musicalidade não pode ser forçada Paulo Tatit

A convivência natural da criança com a música é muito bacana

Olha, eu acho que você conhecer algumas brincadeiras, alguns truques, é legal. Agora, eu acho que a música fala por si só. A gente está em uma época em que se tenta dar um uso pragmático para a música. Mas, não precisa, sabe…? O fato de você colocar música na sua casa, você vai na casa do vovô e tem música, é uma diferença. A criança está sempre atenta pra música, sabe…? Claro, se você for um vovô que sabe tocar cavaquinho e dá uma sambada, vai ser o maior sucesso e tal. Mas são poucos assim, né? Ouvir música já te diz muita coisa. Agora, se você souber tocar um instrumento, vai ajudar.

Mas não é muito por aí: “Ó, ó, criançada, vem aqui que vamos escutar essa música!” É difícil, as crianças estão em outra, né? Mas, se você estiver ouvindo, ela vai até à música. Ela está sempre ali. Você pensa que ela não está ouvindo, você tira a música, ela fala: “Ah, por que você tirou?” Essa convivência natural com a música é muito bacana. Por isso, a música é um problema, é um desafio para a escola. Porque ela não tem esse ambiente. Aí tem que criar artificialmente “aula de música” das 9 às 10 horas. Aí pode não ser o momento.

 

Na contramão da tecnologia

Tem muita escola que se preocupa com a infância pé-no-chão

Música você tem que ouvir, simplesmente, sabe? Só de ouvir, isso que eu vejo. A audição sem intenção, ela é muito bacana. Eu acho que o nosso mundo convive com as duas coisas. Essa infância que é mais tecnológica que realmente chega ser uma perda de tempo da infância. As crianças ficam horas nesses tablets e nos joguinhos eletrônicos. São horas, né? Mas eu acho que na nossa sociedade convivem as duas coisas. Tem muita escola que se preocupa com a infância pé-no-chão, mesmo. Subir em árvores, fazer brincadeiras, pular corda, quintal e lama. Então, as crianças são bem assim.

Hoje, minha filha veio com um pão. Eles plantaram o trigo, fizeram a farinha e assaram o pão. Finalmente ela trouxe o pão, E tava uma delícia o pão, macio, gostoso. Falei: Pô, demais! Passar por todo esse processo, esperar o trigo nascer. Fizeram uma bela horta, lá, que ampliou muito o sentido daquelas comidas. Eu nunca tinha visto minha filha comer beterraba crua. Nem cozida, na verdade. E ela, depois dessa horta, aí ela olhou para uma beterraba esse fim de semana: “Pai, me dá um pedaço?” Uma beterraba crua, eu cortei e ela mandou, mandou, mandou… comeu quase a beterraba inteira, assim crua. Pensei comigo: a hortinha lá mandou bem. Porque eles plantaram beterraba lá também.

 

As lembranças dos avós

Um avô que influenciou muito, uma avó brava e outra bem risonha

Eu tive um avô e duas avós. O outro avô eu mal conheci, eu acho. Mas, esse avô, pai do meu pai, ele era assim um esteio familiar, uma pessoa de uma conduta muito gostosa, ele era muito engraçado, não era engraçado de fazer graça, ele tinha um humor muito fino, muito elegante, ele tinha uma visão de mundo que acho que influenciou muito a mim e ao meu irmão mais velho, a visão que ele tinha das coisas. Uma coisa de você tirar a graça da vida, de você selecionar a coisa tem uma graça para você. Tirar como se fosse: “olha, isso é o que interessa das coisas”.

Então, o vovô Benjamin, era um vovô bem próximo, a gente ia mais de uma vez por semana na casa dele. Pai do meu pai. E uma pessoa maravilhosa. A minha avó, mulher dele, já era meio brava, ela tinha uma relação mais distante com os netos. A avó da minha mãe, muito risonha. Que nem minha mãe, que ainda é viva também. As duas acham graça em tudo, sempre de bem com a vida, dando risada e sempre essa visão bem otimista da vida. Riso fácil.

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então.

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Elisabete Junqueira

Publicitária e jornalista, fundadora e editora do portal avosidade, avó de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia Marie

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