► O psicanalista Contardo Calligaris tem reiteradamente advertido, em artigos e entrevistas, para uma das questões que considera entre as mais graves na sociedade brasileira. É a infantilização perpétua. Impede-se, sistematicamente, que as crianças sintam tédio e frustrações. Mimos.
As milícias da infantilização vitalícia, formadas por milhões de fanatizados e incansáveis pais brasileiros, receberam a unção dos aiatolás, as autoridades supremas: os avós. O conjunto dessas forças empreende sistemática jihad psíquica. Aprisionando a criança de hoje a uma só perspectiva de vida: a de ser sempre criança.
Os pais que dissentem da cultura do fundamentalismo pueril geralmente são condenados ao apedrejamento social. As crianças foram sentenciadas a não ter autonomia, uma vez que são portadoras da missão que lhes é autocraticamente imposta: a de serem felizes. “Ou melhor”, como diz Calligaris, de “encenar a felicidade para os adultos”. Ao mesmo tempo, acrescenta o psicanalista, os pais e avós querem que as crianças cresçam.
“Esses dois deveres são um pouco contraditórios, pois, crescendo e saindo da infância, a gente descobre, por exemplo, que os picolés não são de graça. Portanto, torna-se mais difícil saltitar sorrindo pelos parques à espera de que a máquina fotográfica do papai imortalize o momento. Em suma, se obedeço ao dever de crescer, desobedeço ao dever de ser feliz”. Assim escreveu o psicanalista no texto intitulado “O direito à tristeza”.
O drama das vastas legiões de crianças mimadas, que se tornam adultos despreparados para a vida, sem ânimo e sem vontade de assumir seus atos, tomados pela depressão ou pela hiperatividade, é resultado de uma infantocracia patrocinada, em tempo integral, por supostos pais e avós. O fato é que crescem em ambientes ricos na paparicação e pobres nos cuidados.
Mimos
“Eu mimo, mesmo. E daí?”, desafia o irredutível avô. Em todos os idiomas, excetuando-se o português, mimar é sinônimo de estragar. Por exemplo: spoil (inglês), gâcher (francês), rovinare (italiano), verwöhnen (alemão), estropear (espanhol), ni’ài (chinês), leía (grego), portit’ (russo). Foi dado aos pais, avós e circundantes, portanto, o inquestionável direito de arruinar uma vida inteira. Sem que o estupro psíquico seja objeto de qualquer sanção. Nasceu assim, como diz Calligaris, um tipo de abuso que é muito mais grave do que a palmatória do passado.
Há a ilusão de que o provimento de todas as necessidades da criança, como a da alimentação, do agasalho e do teto, diluem os efeitos do recorrente mimo. Colocam-se as crianças em colégios renomados, fornecendo-lhes, também, atividades extracurriculares, como a academia de ballet, o curso de inglês e as práticas esportivas.
A elas são disponibilizados acessos às tecnologias de informação e às frequentes reuniões com coleguinhas. “Ainda assim”, escreve o psicólogo argentino, Sergio Sinay, “esses meninos e adolescentes são órfãos funcionais”, porque têm pouco contato com a impossibilidade, a frustração e a perda, enfrentando escassos limites que, com frequência, são frouxos e ambíguos.
“Estão cercados de adultos que se comportam como eles e que os imitam, adultos que em sua vida pública e social podem ser bem-sucedidos, poderosos, respeitados, invejados, mas que se negam a ser, além de adultos, maduros”, escreve Sinay, no seu livro “A Sociedade dos Filhos Órfãos” (Editora Best Seller). Calligaris arremata: “Os pais viraram constantes entertainers, estão aterrorizados com a ideia de que as crianças sintam tédio. Mas o tédio é um dos grandes fatores da civilização. Se você não tem tédio, não tem vida interior”.
Conclusão: os avós devem ser, sobretudo, pacientes e obstinados demolidores das incivilidades dos mimos.
Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Mimos.
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Texto perfeito para uma reflexão. Acredito que está faltando essa conscientização, e as crianças estão crescendo sem limites e totalmente vazias de valores.Concordo com a conclusão, e como avó, tento fazer a minha parte!!!
Excelente texto! Esses dias recebi uma amiga em casa que se indignou com a “pouca” quantidade de brinquedos que os meus filhos têm. Ela me fez esse comentário de uma forma bem delicada, cuidadosa, percebi o quanto temeu ao me falar que meus filhos fogem às regras. Pelo menos a essa regra de excesso de brinquedos e consumismo ao máximo!
Todo cuidado é pouco! Criança precisa aprender com a frustração, que na vida é preciso muita persistência pra conseguir objetivos. Caso contrário, serão sempre eternos adolescentes! Como avó e psicóloga sempre questiono determinadas situações expostas no dia a dia.