O mundo injusto dos avós
● ● ● A pandemia e os seus grandes dilemas entre gerações
► Metade do mês de março. Minha mãe e eu decretamos o nosso isolamento social. Raul, 12 recém-completados, foi o sujeito mais enquadrado que vi na quarentena. Injusto
Não saía de casa, recusava os melhores programas, nas poucas vezes em que era arrastado para a rua não tirava a máscara e passava constantemente o álcool em gel nas mãos.
Só falava e jogava com os amigos pelas vias online. Adaptou-se às aulas remotas e dizia não sentir falta da escola.
Heloisa, oito, sofreu desde o primeiro minuto por ficar prisioneira em casa. Não conseguia prestar atenção às aulas via iPad, desligava câmera, microfone e, quando víamos, já tinha ido brincar de outra coisa. Definiu o que era aula nesses tempos de pandemia para ela: uma tortura.
Vai entender o ser humano. Há alguns dias, ambos – o enquadrado e a rebelde, que são irmãos – chegaram para os pais e disseram que queriam voltar para a escola. Os pais, pressionados a retomar suas atividades profissionais integralmente, deixaram.
A avó ficou com o coração muito apertado. Ofereceu-se para abrigar as crianças em sua casa todos os dias e acompanhar seus estudos – o que foi um certo exagero, pois trata-se de uma avó trabalhadora que passa dez horas por dia na frente do computador.
Escolhas dilacerantes Injusto
Mas a gente sempre dá um jeito… Não quiseram, nem os pais nem as crianças, e a avó resolveu não se meter mais porque avó que se preza não deve ficar dando palpite, e sim seguir aquele velho ditado que ouvi de alguém que não me lembro, mas cuja sabedoria hoje me parece infinita: avó tem que aprender a abrir a bolsa e fechar a boca.
Foi o que fiz. Não sem pensar, revoltada, sobre que tipo de mundo estamos deixando para nossas crianças, cheio dessas escolhas dilacerantes. Não queria ter que escolher entre meus netos e minha mãe de 80 anos, isso é muito cruel. Mas sou adulta.
Não tenho receio pessoal em relação à Covid, mas não posso me arriscar a ser contaminada pelos meninos e passar o vírus para a bisa. Estou consciente e equilibrada. Tenho recursos psicológicos e emocionais, adquiridos em anos de psicanálise, para lidar (mais ou menos…) com essa situação.
Mas será que é justo que o Raul e a Heloisa tenham que abrir mão da convivência com os avós e a bisavó, dos fins de semana de farra com filme, pipoca e piscina por terem voltado a ir à escola? Não pode ser.
O fato, porém, é que as crianças vão muito bem, obrigada, lidando da melhor maneira possível com tudo isso, inclusive com os novos hábitos escolares – máscara o tempo todo, lanche na sala de aula, proibição de encostar nos colegas, carteiras a dois metros de distância…
Tiraram de letra, e parece que, de certa forma, naturalizaram os cuidados para não pegar Covid. Como se tivessem feito isso a vida toda.
Aniversário online Injusto
Hoje foi aniversário do Raul e cantamos parabéns online logo cedo. Ele estava muito feliz com o café da manhã especial encomendado pelos pais, o dinheirinho que ganhou dos parentes para comprar games e um encontro com a coleguinha que mora ao lado. Sem traumas. Já a avó…
Estou jogando para o alto as lições da psicanálise e todo aquele blablablá de que a vida é feita de escolhas, que todos os pacotes têm seu lado bom e seu lado ruim, etc. etc. etc. Eu só queria dar um abraço apertado e um beijo bem lambuzado no meu neto no dia em que ele fez 12 anos. Só isso.
Esse mundo ficou muito injusto para os avós. Resta o consolo de que nós passaremos, mas eles, passarinhos de Mario Quintana, um dia vão voar por cima de tudo isso.
Então. Pois. Então.
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Então. Pois. Então.
E mais… Injusto
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Então. Pois. Então. Pois.
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