Gerações

O mundo injusto dos avós

A autora com o neto Raul, a neta Heloisa e a sobrinha-neta bebê Maria Fernanda, mas preocupada com a própria mãe, a bisa

A pandemia e os seus grandes dilemas entre gerações

Metade do mês de março. Minha mãe e eu decretamos o nosso isolamento social. Raul, 12 recém-completados, foi o sujeito mais enquadrado que vi na quarentena. Injusto

Não saía de casa, recusava os melhores programas, nas poucas vezes em que era arrastado para a rua não tirava a máscara e passava constantemente o álcool em gel nas mãos.

Só falava e jogava com os amigos pelas vias online. Adaptou-se às aulas remotas e dizia não sentir falta da escola.

Heloisa, oito, sofreu desde o primeiro minuto por ficar prisioneira em casa. Não conseguia prestar atenção às aulas via iPad, desligava câmera, microfone e, quando víamos, já tinha ido brincar de outra coisa. Definiu o que era aula nesses tempos de pandemia para ela: uma tortura.

Vai entender o ser humano. Há alguns dias, ambos – o enquadrado e a rebelde, que são irmãos – chegaram para os pais e disseram que queriam voltar para a escola. Os pais, pressionados a retomar suas atividades profissionais integralmente, deixaram.

A avó ficou com o coração muito apertado. Ofereceu-se para abrigar as crianças em sua casa todos os dias e acompanhar seus estudos – o que foi um certo exagero, pois trata-se de uma avó trabalhadora que passa dez horas por dia na frente do computador.

Escolhas dilacerantes Injusto

Mas a gente sempre dá um jeito… Não quiseram, nem os pais nem as crianças, e a avó resolveu não se meter mais porque avó que se preza não deve ficar dando palpite, e sim seguir aquele velho ditado que ouvi de alguém que não me lembro, mas cuja sabedoria hoje me parece infinita: avó tem que aprender a abrir a bolsa e fechar a boca.

Foi o que fiz. Não sem pensar, revoltada, sobre que tipo de mundo estamos deixando para nossas crianças, cheio dessas escolhas dilacerantes. Não queria ter que escolher entre meus netos e minha mãe de 80 anos, isso é muito cruel. Mas sou adulta.

Não tenho receio pessoal em relação à Covid, mas não posso me arriscar a ser contaminada pelos meninos e passar o vírus para a bisa. Estou consciente e equilibrada. Tenho recursos psicológicos e emocionais, adquiridos em anos de psicanálise, para lidar (mais ou menos…) com essa situação.

Mas será que é justo que o Raul e a Heloisa tenham que abrir mão da convivência com os avós e a bisavó, dos fins de semana de farra com filme, pipoca e piscina por terem voltado a ir à escola? Não pode ser.

O fato, porém, é que as crianças vão muito bem, obrigada, lidando da melhor maneira possível com tudo isso, inclusive com os novos hábitos escolares – máscara o tempo todo, lanche na sala de aula, proibição de encostar nos colegas, carteiras a dois metros de distância…

Tiraram de letra, e parece que, de certa forma, naturalizaram os cuidados para não pegar Covid. Como se tivessem feito isso a vida toda.

Aniversário online Injusto

Hoje foi aniversário do Raul e cantamos parabéns online logo cedo. Ele estava muito feliz com o café da manhã especial encomendado pelos pais, o dinheirinho que ganhou dos parentes para comprar games e um encontro com a coleguinha que mora ao lado. Sem traumas. Já a avó…

Estou jogando para o alto as lições da psicanálise e todo aquele blablablá de que a vida é feita de escolhas, que todos os pacotes têm seu lado bom e seu lado ruim, etc. etc. etc. Eu só queria dar um abraço apertado e um beijo bem lambuzado no meu neto no dia em que ele fez 12 anos. Só isso.

Esse mundo ficou muito injusto para os avós. Resta o consolo de que nós passaremos, mas eles, passarinhos de Mario Quintana, um dia vão voar por cima de tudo isso.

Então. Pois. Então. 

Então. Pois. Então. 

E mais… Injusto

Veja também no portal avosidade:

Do colo da avó ao colo dos netos

Ser avó em plena pandemia

Bem-vindo, vírus

Netos em três continentes

Helena

 

Então. Pois. Então. Pois.

Então. Pois. Então. Pois. 

Acompanhe o portal avosidade também no Facebook e no Instagram!

 

Acompanhe o portal avosidade também no Facebook, Instagram e podcast+!

Helena Chagas

Jornalista e avó

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *