Gerações

O pedófilo: do monólogo ao diálogo

● Precisamos falar sobre tabus e sobre solidariedade

O autor, que é psicólogo, cria uma realidade imaginária para provocar o debate de tema que precisa ser enfrentado

Ele era um pai conscientemente dedicado aos filhos. E, toda manhã, quando abria os olhos, num processo suave e interminável, retirava do amor incondicional (um afeto estável, como se referia) as referências necessárias para constituir-se num homem íntegro e decente. pedófilo

Era de uma ambição existencial simples: ser íntegro e decente, devoto na participação da formação da personalidade das suas crianças: um menino de sete, e uma menina, de cinco anos.

A rotina miraculosa preenchia os dias e os espaços da alma: de casa para o trabalho, do trabalho para casa, sempre, sempre.

E a reciprocidade do que é definitivo no amor impedia que outras possibilidades o espreitassem, que alternativas surgissem, que os comportamentos destoassem.

Xavier, o gerente de banco, que apreciava flores e filhos vivia ajustado, de bom grado, na mais nobre e trabalhosa missão: educar duas crianças para que fossem saudáveis na mente, no corpo e na alma.

A palavra alma o fascinava porque dizia respeito a uma essência, e as essências transformam as coisas no que elas, de fato, são. Ele gostava dessa certeza, e de modo quase ingênuo confiava na sua determinação.

E assim era feliz.

A tormenta veio com a separação conjugal: a mulher, ao descobrir uma traição, o expulsou de casa e da rotina miraculosa.

O efeito foi devastador: privado do contato diário com os filhos e resvalando nas próprias crenças, viu a sua essência movimentar-se indicando um caminho, de início titubeante e enigmático, mas que o conduziu a uma poderosa metamorfose.

José Xavier de Toledo Pires(*), o pai dedicado e sensível, inevitavelmente, seria transformado num pedófilo.

Observação da estupidez humana

O revés parecia ter lhe mostrado outra essência, portanto, outro mundo: aquele em que meninas nuas e cruas carregam a satisfação completa porque, na pureza dos corpos imaturos, reside a plenitude.

E, desalojado das normas morais, curiosamente, identificou que a integridade resplandecia enquanto a decência registrava a mediocridade, e o que aconteceu foi que, sem esforço ou contratempo, aportou na observação meticulosa da estupidez humana.

E constatava estarrecido, ao visitar parques e praças, que as mães e babás, em sua maioria, mantinham-se entretidas em conversas sobre si mesmas deixando as crianças por conta própria.

Xavier poderia ter sequestrado inúmeras delas, se aproximando, conversando, brincando e, de mãos dadas, tranquilamente, as levar como se fosse o pai. Ninguém perceberia.

Outra constatação surpreendente, que se tornou útil na criação das suas estratégias de aproximação, foi a obsessão das mulheres pelo casamento: olhando persistentemente para a alma feminina, identificou inalterada a espera pelo príncipe encantado.

Pedófilo

E aproveitando-se da obviedade transformou-se num deles: gentil, educado, fiel, bonito, com a intenção de formar família, dedicado ao trabalho, querendo o desenvolvimento na carreira profissional, falar dos próprios sentimentos, presentear em ocasiões especiais, ouvir atenciosamente os relatos, não ser grudento, nem meloso.

Assim, tornou-se praticamente irresistível conquistando mãe e filha. As mulheres bonitas e divorciadas, acompanhadas da menininha formosa, constituíram-se no alvo predileto: ele as seguia provocando encontros, simulando situações, identificando carências e seduzindo.

A intenção? Confirmar a essência do pedófilo.

E Xavier, enquanto seguia na metamorfose, construiu o impasse na alma: o amor pelos filhos ou a pedofilia?

Uma coisa não poderia se misturar com a outra.

Uma coisa não poderia atingir a outra.

Os filhos precisavam ser protegidos, sempre, sempre.

Personagem de teatro

E foi então que a vergonha rivalizou com o amor: uma coisa ou outra. E Xavier percebeu, estarrecido, que possuía alma de pedófilo.

Assim: anterior ao pai amoroso existia um pedófilo inativo, hibernando, esperando as condições apropriadas para emergir.

Emergindo, para sempre.

E foi no momento em que senti o ápice da sua agonia que o transformei em personagem e o coloquei num conto: os contornos não alteram a história e o final está determinado.

E perseguindo o testemunho singular do personagem ao que é do pertencimento humano, o conto atingiu o teatro: do monólogo ao diálogo porque precisamos conversar sobre.

Precisamos falar sobre os adoecimentos da alma, seus diagnósticos e tratamentos.

E falar sobre os abusos e maus-tratos sofridos pelas crianças e adolescentes.

Precisamos falar sobre sexo e o tabu do sexo.

E sobre a omissão de pais e mães, sobre a negligência das escolas e instituições e, ainda, sobre o nosso aspecto cruel de uma sociedade narcisista.

E, por fim, se o personagem indica, numa realidade imaginária, o que nos rodeia, é porque precisamos falar sobre solidariedade.

 (*) nome fictício
Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois.

E mais…

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É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É.

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Fernando Luiz Cipriano

Psicólogo e doutor em Psicologia, filósofo e escritor; atua como psicoterapeuta há mais de 25 anos; realiza supervisão clínica, palestras e cursos; é autor de 'Matriz Terapêutica e os Equívocos da Prática em Psicologia', Annablume (2007), 'A Mulher Lagarto e Outras Histórias', Intermeios (duas edições 2014 e 2018) e 'O Cúpido Azul', Intermeios (2014)

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