► Ela fez um pequeno movimento com a cabeça, olhando para as próprias mãos; então mexeu discretamente os lábios, mas hesitou; a inclinação do corpo parecia, ao mesmo tempo, conter e ajustar a tensão. Guerra
— Estou ficando perturbada com o sofrimento das pessoas na guerra da Ucrânia: as cenas, todas aquelas cenas horríveis, ficam girando na minha cabeça. O que devo fazer para evitar isso?
Eu respondi: “resista e mantenha a esperança”. E continuei: “pensa comigo: perturbação e afetação são coisas diferentes”.
A minha intenção era tirá-la do torpor através da reflexão.
— Você pode sim ficar afetada com o sofrimento do povo ucraniano, e tem todos os motivos para sentir medo, sentir raiva, se sentir desanimada e impotente, porém, o medo deve ser enfrentado, você deve resistir e buscar o equilíbrio interno na esperança.
Ela permaneceu imóvel: “eu não sei como”.
— Vamos fazer outra diferenciação aqui: uma coisa é o ambiente e outra, o indivíduo, isso significa que num ambiente em desequilíbrio, o indivíduo pode buscar o equilíbrio.
A voz saiu fina: “não compreendo”.
— A paz é interna, mesmo que alguns digam o contrário. Um ambiente em desequilíbrio pode afetar um indivíduo em equilíbrio, mas não ao ponto de perturbá-lo.
— O que devemos fazer (eu, você, e todas as pessoas de boa vontade) é acionarmos a esperança enquanto enfrentamos o medo, seja num tempo de hoje, um cotidiano de guerra, seja em outros tempos.
Houve um silêncio prolongado e eu percebi que ela processava as palavras porque alterou a cadência da respiração.
— É que vivemos num tempo que se confunde com o espaço, professor: sinto a guerra entre nós, por isso a minha perturbação.
De uma vez por todas
— E está corretíssima, acertou no alvo, como sempre.
— Então, aluna prestimosa, isso significa que precisamos resolver o problema “de uma vez por todas” (rimos porque ela sabia o quanto gosto de usar a expressão – de uma vez por todas).
— Em situações como essa existem três tipos de pessoas: os desequilibrados, os desesperados e os compadecidos.
— Os desequilibrados são aqueles que, na situação, buscam apenas o poder; ºos desequilibrados são aqueles que não possuem empatia em relação aos outros; os desequilibrados são medíocres, medrosos, manipuladores, psicopatas; eles são cruéis, são sádicos e não medem as consequências do que fazem.
— Os desesperados são as vítimas, são os que vivenciam o sofrimento e, nesse sofrimento, buscam a sobrevivência; são todas aquelas pessoas que, infelizmente, veem as suas vidas se modificarem para sempre.
— Os compadecidos são os que se importam, os que se solidarizam, os que apoiam, os que ajudam, os que vencem o medo, os que não são paranoicos, os que não são histéricos. Os compadecidos, felizmente, se importam, se sacrificam e estão dispostos a reparar o mal causado pelos desequilibrados.
Enquanto eu falava, ela assentia com a cabeça e os olhos voltaram a brilhar.
— Então, eu irei resumir para facilitar as coisas (rimos novamente): a resistência baseada numa esperança realista, é o que nos cabe; a resistência que está contida no equilíbrio interno, e que se manifesta na sobriedade dos que se acalmam e acalmam os outros, é o que nos cabe.
Dessa vez, ela foi rápida: “eu quero ser a pessoa que se acalma e acalma os demais, professor”.
Eu sorri. A paz retornara.
Imagem: UN News
E mais…
Veja também no portal avŏsidade: