Gerações

O fanatismo e seus antídotos

● Um debate necessário e oportuno sobre o delírio coletivo

O autor mostra como distinguir e comparar fanatismo religioso e fanatismo ideológico, que conduz ao fanatismo político

O escritor israelense Amos Oz, em seu livro “Como curar um fanático”, do ano de 2016, argumenta que o fanatismo, muitas vezes, nasce no ambiente familiar quando alguém deseja que outros se transformem em algo que considera o melhor para essas pessoas.

Eu proponho outra compreensão: o fanatismo é de outra ordem: trata-se de um delírio de onipotência em que alguém deseja que todos os aspectos da Existência sejam idênticos a um único aspecto.

Assim: o fanatismo nasce nos primórdios da personalidade, imerso na modéstia, diante da inevitável constatação do indivíduo de que é a parte-pequena, de que as coisas são como são, portanto, independem dele.

E algo espetacular acontece, uma espécie de escolha: a modéstia será transformada em frustração, que invocará a fúria odiosa e permanente, constituindo-se na resposta à incapacidade de alteração da realidade.

No fanático, a fúria (declarada ou sutil) será permanente, tão eficaz ao ponto de submeter o prazer aos seus resultados.

E, me acompanhe: o espetacular do ocorrido reside na capacidade humana de distorcer realidades: movido pelo ódio, que submete o prazer, o indivíduo manifesta o “ato criativo invertido”.

O que significa que ele deseja a realidade a sua imagem e semelhança, e delira reduzindo a diversidade natural a uma sombra opaca de ignorância, estreiteza mental e individualismo.

E, me acompanhe: na sequência da inversão, o que resvala para a consciência manifesta uma mentalidade de crenças frágeis, rígidas e inquestionáveis.

No entanto, ele ainda não está pronto: esse indivíduo sabe que “uma andorinha só não faz verão”, e, individualista de nascença, recorre aos outros.

É simples: se alguém delira sozinho, é louco, mas o delírio coletivo possui a potência necessária para afirmar realidades.

Pensamento onipotente

E ele recorre à projeção mental para estender o pensamento onipotente sobre o maior número possível de pessoas (as semelhantes).

Agora sim, ele está pronto: o fanático se define no delírio individual e se redefine no delírio coletivo fazendo com que a distorção da realidade não reconheça limites.

Em outras palavras: todo fanático é a matriz do fanatismo.

E se autoproduz, numa espécie de clonagem, igualzinho em tudo.

Não queira compreendê-lo, ou dialogar, ou argumentar, ou refletir, ou apelar para o bom senso e todos os santos: o delírio é intransponível.

E, de todos os tipos variados, o fanatismo religioso é o mais concentrado na servidão incondicional associada à completa ausência de senso crítico: a maior limitação mental possível.

A ideia sobre um Deus, ou deuses (ou semideuses) é mágica e alucinatória: compõe o sentido da existência plena justificando comportamentos.

E pode se perpetuar por milênios.

Já o fanatismo ideológico, que conduz ao fanatismo político, é repartido, nem por isso, menos nefasto.

Até poderíamos considerá-lo um “delírio comedido” porque suas crenças afirmam determinados valores em contextos de épocas específicas.

E o curioso, nesse caso, corresponde à legião dos opositores, dos discordantes, dos que afirmam o contrário: eles formam a parte reversa, são matematicamente idênticos no funcionamento, e se consideram os libertários e grandiosos.

E como dizer a eles que são a mesma coisa?

É simples: fazer oposição aos fanáticos para afirmar determinada realidade é disputar o poder pelo melhor delírio.

Talvez exista uma chancezinha

Eis porque, no verso e reverso dos fanatismos ideológicos, não cabe a liberdade, nem a criatividade, nem as novidades, nem a responsabilidade.

E haveria uma solução?

Eu considero que a cura não existe para os fanáticos apoiados historicamente no delírio coletivo, os religiosos, por exemplo: o ambiente inviabiliza qualquer possibilidade de questionamento.

A vida para eles é um “fato consumado”.

E, para os delirantes em que a coletividade oscila os valores, ou nos casos em que determinada coletividade transforma pessoas comuns em fanáticos, ou ainda nos casos das coisas menos importantes, como o esporte, talvez exista, vamos lá, uma chancezinha (um para um milhão).

E quais as sugestões do consagrado escritor israelense?

Ele sugere possíveis antídotos para combater o fanatismo: um deles, o senso de humor: “Humor é relativismo, (…) humor é a capacidade de perceber que, não importa quão justo você é, e como as pessoas têm sido terrivelmente erradas em relação a você, há um aspecto da vida que é sempre um pouco engraçado”.

E, convenhamos, a sugestão é primorosa: a capacidade de “rir de si mesmo” anula o delírio coletivo ao mesmo tempo em que relativiza o delírio individual.

Há um sopro de esperança, portanto.

E, para finalizar, compartilho um segredo sobre delírios e realidades: eu gosto muito das ideias que acalantam: elas também são antídotos. Veja a dessa canção, por exemplo, (Força Estranha, de Caetano Veloso): “a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o Sol”.

Não é um verdadeiro sopro de esperança?

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Fernando Luiz Cipriano

Psicólogo e doutor em Psicologia, filósofo e escritor; atua como psicoterapeuta há mais de 25 anos; realiza supervisão clínica, palestras e cursos; é autor de 'Matriz Terapêutica e os Equívocos da Prática em Psicologia', Annablume (2007), 'A Mulher Lagarto e Outras Histórias', Intermeios (duas edições 2014 e 2018) e 'O Cúpido Azul', Intermeios (2014)

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