Gerações

A Páscoa que não houve

● Para os avós à distância, o que mudou foi o tempo

Outras Páscoas virão para compensar a que não aconteceu. A festa do encontro será sempre uma grande alegria

Estava tudo programadíssimo. Passagens compradas, prontas as listas de compras, remédios, roupas etc. Na noite de 30 de março, embarcaríamos para a Nova Zelândia e lá chegaríamos 35 horas depois (18 de voo e 17 de fuso horário), na manhãzinha de 1º de abril, com o coração apertado de saudade e as malas abarrotadas de presentes e ovos de chocolate. Páscoa que não houve.

Íamos, Jaime e eu, passar a Páscoa com nossos netos, Charlie (6 anos) e Jack (3), filhos da nossa primogênita Violeta e de Nick, seu marido neozelandês. Só que não. O Covid-19 zerou todos os planos, cancelou as passagens, adiou os sonhos. Para nós, que somos avós à distância desde sempre, a pandemia dilatou o tempo.

Normalmente, temos passado no mínimo um mês por ano com as crianças. Costumávamos visitá-las no verão em Londres, onde Vi e Nick moraram por quase 10 anos. Quando dava tudo certo e eles conseguiam vir ao Brasil, convivíamos dois meses por ano. Uma glória.

Os chats não bastam

Mas, agora, já faz mais de um ano que não vemos Charlie e Jack ao vivo e em cores. A última vez foi em fevereiro de 2019, quando estiveram todos no Brasil. Não fomos a Londres em meados de 2019 porque Vi e Nick estavam preparando a mudança para a NZ.

Depois, veio a procura da casa para morar em Hamilton, o atraso do contêiner com os móveis, as roupas e a tralha toda, o tempo de se instalarem. Então, vieram os stents do Jaime, um nas coronárias, outro na carótida. E o tempo foi passando.

Vamos nos vendo e falando por chats e WhatsApp. Conversas ainda breves, porque quem consegue manter por muito tempo a atenção de meninos dessa idade, quando a correria e a algazarra são tão mais divertidas?

Páscoa que não houve

Conversas nem sempre fluidas, nós com nosso inglês tatibitate e eles com seu inglês veloz (e agora com certo sotaque neozelandês). Sim, já houve um tempo em que Charlie, o mais velho, falava e entendia português. Adorava dizer “não” e pedir “pão”. Mas desistiu. Afinal, que língua era essa que só servia para falar com a mãe e com os avós longínquos?

Os chats não bastam, claro. Mas como confortam! Foi divino assistir, ao entardecer do sábado de Aleluia (manhã de domingo de Páscoa na Nova Zelândia), Charlie e Jack procurarem seus doces e se deliciarem com os pequenos coelhos de chocolate que a mãe precavida comprara pouco antes da quarentena.

Para nos animar temos também os vídeos que chegam continuamente. Vistos, revistos, quase decorados. A farra no banho, a primeira corrida de bicicleta sem rodinhas no quintal, o jogo de amarelinha na calçada vazia onde fazem seu curto passeio diário nestes tempos de confinamento… E tudo isso também não basta.

A cada reencontro, uma reconquista

Vida dura a de avós à distância. A saudade fisgando todo o tempo. E a cada reencontro, uma árdua agenda emocional: primeiro, o estranhamento; depois, o jogo mútuo da reconquista; então, o aconchego, o amor à vontade, o abraço apertado, o colo confiado, o sorriso solto. A seguir, a despedida, a intimidade se diluindo na intermitência dos chats até que o próximo encontro reinicie o ciclo.

Ainda temos longos meses de confinamento pela frente antes que possamos encontrar Charlie e Jack outra vez. Quem sabe só possamos visitá-los na próxima Páscoa. Até lá, estaremos nos cuidando com muito empenho e disciplina, porque temos promessas muito sérias a cumprir.

Vou dançar e cantar com Jack, montar quebra-cabeças e ler histórias com Charlie. Jaime vai desenhar e pintar com ambos. E vamos nós quatro nos acarinhar à vontade novamente. Está tudo certo, tudo combinado. Eles que nos aguardem.

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Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois.
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Manuela Klintowitz

Jornalista e avó de Charlie e Jack

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