Diversão

Natal pagão, Ano Novo cristão

● As origens das festas de final de ano e do Réveillon

Primeiro os espíritos se desarmam porque é Natal, depois todos festejamos com esperança, pois começa tudo de novo

 Muitas pessoas acham que é o contrário: o Natal é uma festa essencialmente religiosa e que pagão é o Ano Novo, pois não tem nada de sagrado. Mas a História mostra que o título acima está certo.

Para começo de conversa, o nome do novo ano é “2023 da era cristã”. Por outro lado, nas crenças não cristãs o ano novo não cai em 1º de janeiro e a contagem dos anos também não confere. Vejamos:
io próximo ano judaico só vai chegar oito meses e meio depois, dia 16/set (e será o ano 5784).
l o ano novo muçulmano é só daqui a sete meses (dia 30 de julho e vai ser o ano 1444).
i o ano novo na China e vizinhos como Coréia e Vietnã chegará em 22 de janeiro (e será o ano 4721).
l o ano novo indiano começa dia 21 de março (será o ano 1944) – a Índia não é homogênea e no Sul o ano novo vai ser dia 1ª de março; no Leste, 1º de outubro, no Centro, 14 e abril…

De romanos para cristãos

A escolha do dia 1º de janeiro para comemorar o ano novo é uma herança dos antigos romanos, mas praticamente coincide com o início da era cristã e tem tudo a ver com a cristandade.

É uma história interessante porque envolve celebridades históricas. O ano novo na Roma antiga começava em março. Por isso dezembro tem o nome do número dez porque era o décimo mês. E janeiro era o último mês, depois de fevereiro.

Roma comemorou o ano novo dia 1º de janeiro pela primeira vez em 153 a.C. (antes de Cristo), mas vamos desconsiderar como precedente histórico porque foi só uma vez, um mero casuísmo, para antecipar a posse dos novos governantes (qualquer semelhança com o Brasil de dezembro de 2022 é mera coincidência).

César, Cleópatra e Asterix

Roma continuou com o costumeiro calendário confuso que começa em março até que entram em cena as celebridades: o famoso Júlio César pediu emprestado à famosa Cleópatra um famoso astrônomo egípcio chamado Solsígenes, um gênio de sua época.

Ele criou o ano bissexto que utilizamos até hoje, colocou janeiro como o primeiro mês do ano (antes de fevereiro) e fixou o ano novo em 1º de janeiro. Logo depois, César morreu e em sua homenagem ficou o nome de calendário juliano.

Porém, era muito difícil calcular com aqueles algarismos romanos que até hoje infernizaram nossas vidas. O sistema numérico não tinha o zero. Depois que Solsígenes voltou para o Egito, os romanos teriam de calcular sozinhos os anos bissextos. Fácil: um a cada quatro anos. Fácil?

Pode parecer piada das historinhas de Asterix, mas sem zero, contavam assim: o ano bissexto presente era número I, o seguinte era número II, depois vinha o III e em seguida o IV, o próximo bissexto. Perceberam? Em vez de um bissexto a cada quatro anos, fixaram a cada três anos.

Isso começou em 45 a.C. e eles levaram 36 anos para descobrir o erro, após 12 anos bissextos, mas o correto seriam apenas nove. Assim, o dia 1º de janeiro estava se afastando da data correta.

Foi preciso ficar 16 anos sem nenhum ano bissexto para colocar o calendário nos eixos. Portanto, quando o dia 1º de janeiro enfim se firmou como o dia do ano novo, Cristo já tinha nascido e o mundo não estava mais na era a.C.

O calendário católico

Solsígenes também não foi tão preciso assim e seu calendário resultava em um dia a mais a cada 128 anos. Por isso, séculos depois, o papa Gregório XII (olha a igreja cristã de novo) corrigiu isso. A distorção restante é imperceptível, de um dia (24 horas) quando chegarmos ao ano 5000, se a humanidade um dia chegar lá.

Como Gregório era o papa da igreja católica romana, os católicos ortodoxos e os protestantes não quiseram aceitar. O astrônomo Johannes Kepler, que era protestante mas não negava a ciência, ironizou dizendo que eles “preferiram ficar em desacordo com o Sol a ficar de acordo com o papa”.

Mas, com o tempo, a ciência venceu e todo mundo foi aderindo. E homenagem ao papa, usamos agora o nome de calendário gregoriano, que se tornou na atualidade o calendário civil e comercial universal, adotado por todos, independentemente de qualquer religião.

Voltando ao início da conversa, nos últimos 200 anos, com o avanço do domínio cultural da França pelo mundo afora, se popularizou chamar a festa de ano novo de Réveillon, palavra que não tem nada a ver com religião. O domínio francês decaiu, mas o nome ficou.

A História registrou ainda um caso excepcional muito interessante: a Inglaterra manteve o ano começando em março por muitos séculos e só comemorou o ano novo no dia 1º de janeiro em 1753. Já o Japão, mesmo não sendo cristão, aderiu em 1873. Mas isso é outra história.

As origens pagãs do Natal

O Natal simboliza o nascimento de Cristo, mas não há nenhuma escritura sagrada ou registro histórico que faça referência ao dia 25 de dezembro. Aliás, considerando alguns fatos históricos, como, por exemplo, Herodes ainda estava vivo e estava sendo realizado um censo dos judeus, é provável que tenha sido mais para o meio do ano.

O fato é que o dia 25 de dezembro foi escolhido para aproveitar uma festa pagã muito popular em diversas nações da época, principalmente os domínios romanos. Isso ajudaria muito a propagação do cristianismo nos seus primeiros tempos.

Os romanos chamavam o dia 25 de dezembro de Dies Natalis Solis Invicti (dia do aniversário do Sol). Significa que após a noite mais longa do ano hemisfério Norte, o Sol “renasce” e passa a cada dia a ficar mais tempo no céu. Mais precisamente, essa noite mais longa oscila entre os dias 21 ou 22 de dezembro, mas precisão era coisa rara entre eles naquele tempo.

Em tempos ainda mais remotos, os romanos comemoravam nessa mesma época do ano a Saturnália, em honra ao deus Saturno, cuja semelhança ao nosso Natal era a troca de presentes. E os escravos eram liberados do serviço. Mas as semelhanças paravam aí. Outras características da Saturnália lembram mais o que na atualidade é o Carnaval.

Papai Noel é sincretismo

O nosso querido bom velhinho tem uma perna cristã e outra no paganismo. O mito mais antigo é o deus dos antigos povos nórdicos Odin, um velho gordo, barbudo e grisalho, com uma carruagem voadora que entrava nas casas pela chaminé e deixava presentes nos calçados das crianças.

É um perfeito retrato falado de Papai Noel, certo? Por outro lado, os cristãos contribuíram para o bom velhinho com a figura de São Nicolau de Mira, que não é mito, mas sim uma figura histórica confirmada. Viveu nos séculos III e IV da era cristã e também era gordo, barbudo e grisalho, não voava, mas distribuía presentes.

Dessa faceta cristã vem o nome de Papai Noel em inglês americano: Santa Claus (tradução de Nicolau para Claus). O mesmo caso do holandês Sinterklaas. Aliás, é curioso lembrar o nome do bom velhinho em várias línguas.

Começando pelo português europeu Pai Natal, tradução completa do francês Père Noël, assim como no Italiano (Babbo Natale) e no dialeto vêneto (Pupà Nadałe). E também na Inglaterra (Father Christmas).

Já no Brasil, nós traduzimos Père, mas não traduzimos Noël (que significa Natal em francês), assim como em espanhol (Papá Noel). E em alemão, por sua vez, é bem diferente: Weihnachtsmann (o homem da noite sagrada).

Outros símbolos natalinos também são herança assumida de festividades pagãs, como as árvores enfeitadas, e até o sino e a estrela de Belém. Mas a conversa está ficando muito comprida e vamos deixar um pouco para outra virada de ano.

Imagem: Grão de Gente

E mais…

Veja também no portal avŏsidade:

Adeste fideles, noite de paz

O valor do Natal em comunidade

Lendas natalinas

Árvores de Natal pelo mundo afora

Natal e crianças, uma combinação perfeita

Como é o Natal em outros países

O Natal e as receitas da vovó Emília

Criancinhas fazendo bonito no Natal

Vó Rita: Natal delicioso com os netos

O protesto que virou canção natalina

Momento sublime, vovó Betth toca “Noite Feliz”

Pagão. Pagão. É. Pagão. Pagão. É. Pagão. Pagão. É. Pagão.
[. .]
Acompanhe o portal avosidade também no Facebook, Instagram e podcast+!

Jorge Luiz de Souza

Jornalista, editor do portal avosidade e avô de Mateus, Sofia, Rafael, Natalia, Andrew, Thomas e Cecilia

Veja também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *