Comportamento

Cotidiano entre gerações – família

● A relação de netos e avós com filhos, filhas, noras e genros

Há um crescimento expressivo de pesquisas no universo familiar sobre interação de avós e avôs com netos e netas

As gerações se encontram em diferentes espaços sociais, como família, trabalho, escola, instituições culturais, ruas e praças, transporte público etc. Há vários estudos que buscam entender como está nos dias de hoje a qualidade da convivência entre jovens e velhos. Cotidiano

Um tipo de relação intergeracional se destaca atualmente: as relações entre avós e netos no âmbito familiar. O termo para essa relação – “avosidade” – é uma palavra recente em nosso vernáculo.

Ela surge entre nós a partir dos termos “grandparenthood” e “abuelidad” utilizados por estudiosos de língua inglesa e hispânica, especializados no tema do envelhecimento humano.

O surgimento de um novo vocábulo, ou seja, de um neologismo, sempre reflete mudanças no contexto social, mudanças que trazem consigo novos valores e novos comportamentos.

De fato, há algumas décadas tem havido um crescimento expressivo de pesquisas no universo familiar que se voltam especificamente sobre a interação de avós e avôs com seus netos e netas.

Dois fenômenos se mostraram decisivos para que essa relação adquirisse uma visibilidade cada vez maior.

Um deles é o do aumento da longevidade não só no Brasil, mas em todo o mundo, graças, principalmente, ao crescente desenvolvimento científico na prevenção e no tratamento, sobretudo, de enfermidades crônicas, típicas do período da velhice.

Com uma longevidade mais extensa, temos muitos idosos vivendo sozinhos ou vivendo apenas com seu cônjuge ou com um cuidador. Temos também idosos abrigados em Instituições de Longa Permanência. Mas são muitos os que vivem com a família.

Por falar em família, não nos esqueçamos de outro fenômeno dessa assim chamada modernidade tardia ou pós-modernidade, que é o período em que vivemos. Refiro-me à multiplicidade de conformações ou formatos familiares.

Bisavós e bisnetos

Há famílias chamadas de nucleares porque são compostas apenas por um casal sem ou com poucos filhos. Há também casais homoafetivos, isto é, pares formados por homens e pares formados por mulheres que criam filhos adotivos ou gerados por inseminação artificial.

Outro modelo encontra-se nos “recasamentos”, famílias com filhos de casamentos anteriores juntamente com aqueles do casamento atual.

Outro fenômeno, consequência daquele que é o do incremento da duração da vida humana, é o do retorno da chamada família extensa, isto é, de famílias que abrigam três ou até quatro gerações.

De fato, não é incomum encontrarmos grupamentos familiares com a presença até de bisavós e bisnetos.

Com mais frequência nos referimos a bisavós e não bisavôs, já que, como sabemos, as mulheres, em média, são mais longevas. Elas, geralmente muito queridas, são carinhosamente chamadas de “bisas”.

Mesmo tendo idade avançada, para além dos 80 anos, muitas avós conservam suficiente autonomia e independência mantendo um relacionamento afetuoso e produtivo com seus netos.

Por outro lado, se não possuem saúde e precisam ser cuidadas, inclusive por suas netas (já que, geralmente, os meninos não são estimulados e educados para cuidar) a relação pode ajudar a criança ou o adolescente a aprender lições importantes sobre a velhice e a finitude.

Outro motivo de maior atenção à figura dos avós se deve às várias posições assumidas por eles no universo das relações familiares.

Alguns são provedores porque desfrutam de uma boa condição financeira e podem, por isso, ajudar filhos e netos. Outros são dependentes de auxílio financeiro.

O fator distância

Do ponto de vista da saúde, ao mesmo tempo em que há muitos avós saudáveis, mesmo em idades bem avançadas, por outro lado, tem crescido o número de idosos dependentes de cuidados de seus familiares já que, aos anos a mais de vida, se somam, com frequência, incapacitantes problemas de saúde.

A proximidade ou o distanciamento geográfico dos netos é outro fator que facilita ou dificulta o relacionamento.

Uma distância que garanta o encontro e o cuidado mútuo e, ao mesmo tempo, preserve a intimidade de ambas as gerações, pode se dar em arranjos familiares, nos quais o domicílio dos netos é próximo ao dos avós, por exemplo, quando ambos estão fixados no mesmo bairro.

Sobre esse fator da proximidade, cabe refletir sobre o crescente aperfeiçoamento da tecnologia digital que tem permitido comunicações interpessoais em tempo real entre pessoas separadas por grandes ou pequenas distâncias.

No auge da pandemia da Covid 19, muitas pessoas idosas permaneceram isoladas em suas casas, devido à sua maior vulnerabilidade a essa grave doença. Por isso, avós não puderam receber ou visitar seus netos.

Afortunadamente, essa distância tem sido em parte mitigada graças às interações por meio das redes sociais via Internet.

Evidentemente, o encontro virtual não possibilita os beijos e abraços que exteriorizam toda a ternura que pode estar contida nessa relação, mas tem ajudado a diminuir a saudade entre avós e netos.

Com grande parcela da população brasileira vacinada, aos poucos temos voltado à vida normal.

Outro fator decisivo para a manutenção e o desenvolvimento de uma prazerosa convivência com os netos é um bom relacionamento, por parte dos avós, com seus filhos, filhas, noras e genros.

Solidariedade e conflitos

A forma de tratamento dada aos netos pode ser alvo de críticas de filhos, genros e noras aos avós, críticas expressas pela popular percepção de que “enquanto os pais educam, os avós deseducam a criança” por serem dadas a ela “liberdades excessivas”.

Conflitos tendem a ser mais prováveis com a avó paterna, ou seja, conflitos entre, de um lado, a mãe ou o pai da criança e, de outro, sua sogra.

Esses desentendimentos tendem a ser mais intensos do que aqueles que podem ocorrer com a avó materna, pois os laços familiares geralmente são mais firmes de acordo com uma inclinação matrifocal, baseados na linhagem materna.

Constatamos que a matrilinearidade é um fator importante na conformação de comportamentos entre pais e avós.

Isso porque, embora não seja incomum, conflitos entre mãe e filha na educação do neto, os desentendimentos entre mãe e filha podem ser atenuados pela importância da experiência da avó materna, na instrução de como a filha deve cuidar da criança, sobretudo, na fase de bebê.

Essa relação entre mãe e filha geralmente é uma relação de parceria e confiança.

A relação entre avós e netos tende a ser menos conflituosa do que a relação entre pais e filhos.

A obrigação de educar, traduzida no dia a dia pela imposição de interdições aos desejos da criança e do adolescente, tende a provocar conflito com os adultos responsáveis, geralmente os pais, ao dizer “não” a certos comportamentos ou intenções.

Ao contrário, avós e netos tendem a se relacionar de modo mais amistoso e até solidário.

Importância desde a pré-história

Simone de Beauvoir, pensadora que se notabilizou nos anos 1970 por uma pioneira e referencial obra sobre as condições de vida dos velhos na sociedade da época, além de exaltar a afeição presente nesse relacionamento e o quanto ele faz bem aos velhos e às crianças, nos fala de cumplicidade.

É a cumplicidade que pode se estabelecer entre netos e avós contra a opressão e o autoritarismo da geração intermediária, isto é, dos pais da criança, em decorrência de seu poder econômico.

A classe social das famílias é outra variável importante para a relação avós e netos.

Avós acabam exercendo o papel de mães de seus netos, principalmente nos lares pobres, como quando a filha é mãe solteira ou separada do marido, quando tem que trabalhar fora.

Ou que tem algum outro tipo de impedimento para cuidar das crianças, como doença física ou mental ou até por encarceramento da mãe da criança.

Muitas avós demonstram um considerável exemplo de superação, nos mais variados casos de dificuldades vividas pela família.

Recente pesquisa da Universidade de Harvard constatou a importância das avós para a espécie humana desde a pré-história, porque permitiu aos nossos pais e mães lutarem pela sobrevivência da família e, por consequência, a evolução de toda a humanidade.

Imagem: Grazi Ventura

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José Carlos Ferrigno

Psicólogo, especialista em Gerontologia e em Programas Intergeracionais; é autor dos livros “Coeducação entre Gerações” e “Conflito e Cooperação entre Gerações”, publicados pelas Edições Sesc SP; seu e-mail é jcferrigno@gmail.com

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