Comportamento

Cotidiano entre gerações – trabalho

● É preciso muito cuidado ao fazer a classificação geracional

Há o permanente risco de criarmos estereótipos que, em vez de aproximar as gerações, acabam por distanciá-las

Dando prosseguimento às reflexões sobre as interações intergeracionais nos diversos espaços do cotidiano, vamos refletir agora sobre as relações entre jovens e pessoas maduras no ambiente de trabalho.

Antes, tenhamos em mente que os encontros de gerações se dão em diferentes palcos ao longo da existência humana. Em nossa infância, nossos primeiros contatos se dão com nossos pais, irmãos e avós no seio familiar.

Subsequentemente, é na escola que a criança se relaciona com gerações mais velhas compostas por professores, funcionários e alunos maiores. Entre o fim da adolescência e o início da vida adulta, outras relações intergeracionais passam a ocorrer em vários espaços sociais, principalmente no mundo do trabalho.

No âmbito do universo empresarial o arco das gerações tem se amplificado como efeito do aumento da longevidade dos trabalhadores. Temos, muitas vezes, desde empregados aprendizes, ainda adolescentes, até septuagenários ocupando cargos de direção ou de assessoria.

Essa nova configuração etária no universo corporativo se explica pelo avanço progressivo da idade para a aposentadoria, seja para, do ponto de vista das políticas públicas, equilibrar a proporção de ativos e inativos com vistas à sobrevivência financeira do sistema previdenciário, seja por iniciativa do próprio trabalhador para que possa adiar a inevitável perda de poder aquisitivo que ocorre para a grande maioria dos que se aposentam.

Melhorar o clima institucional

Então, no atual contexto socioeconômico, como têm sido as relações de trabalho entre novatos e seniores nas organizações públicas e privadas? Em geral, os funcionários mais velhos situam-se em uma posição hierárquica superior.

Mas nem sempre, pois há exceções que nos remetem a questões interessantes como a de saber de que modo um trabalhador mais velho se sente frente a um chefe jovem e como este, por sua vez, percebe aquele. Enfim, essas e outras condições de trabalho têm se dado com frequência no cotidiano das empresas.

O fenômeno geracional no trabalho passou a ser objeto de atenção por parte de técnicos e especialistas da área de Recursos Humanos, sobretudo a partir dos anos 2000. Os estudos nessa área foram se intensificando motivados pela preocupação de melhorar o clima institucional.

Diga-se, de passagem, que, com esse mesmo objetivo, em várias organizações esse tema tem sido acompanhado de projetos que buscam evitar discriminações, para não só aproximar as gerações, mas também os gêneros masculino e feminino e demais identidades, como as de raça, etnia e aquelas pertencentes ao espectro LBGTQIA+.

Trabalho de classificar as gerações

O objetivo é a obtenção de um convívio afetivo, respeitoso e igualitário nas relações de trabalho. Do ponto de vista do empresário e dos gestores, um ambiente agradável propicia maior produtividade, além da produção de uma positiva imagem institucional da empresa tanto interna, quanto externamente.

Do ponto de vista do empregado, uma boa convivência é absolutamente salutar para evitar o estresse e resistir a jornadas que ocupam grande parte do dia.

Para que se busque uma integração entre trabalhadores de diferentes idades, é preciso conhecer o perfil de cada um, isto é, conhecer o perfil geracional, suas características psicológicas, principalmente.

Com essa intenção, profissionais especializados nas relações do trabalho têm se dedicado a classificar as gerações quanto ao seu comportamento no âmbito empresarial.

Essas intervenções têm se mostrado um instrumento útil de análise para a compreensão das relações intergeracionais, não apenas no mundo corporativo, mas de um modo geral em outros espaços sociais. Vejamos o que tem sido dito sobre cada geração.

Nessa classificação são levadas em conta as influências do momento histórico em que ocorre o nascimento de determinada geração na conformação da personalidade de seus membros.

Logicamente, o ano de início e de término que delimita cada geração é aproximado, podendo variar considerando características culturais e individuais, mesmo que, em um mundo globalizado, tudo tenda a ser padronizado.

Geração Baby Boomer (1946-1964)

Esta é a geração dos que nasceram logo após o término da Segunda Grande Guerra. Seu nome deriva do grande número de nascimentos nesse período, o “Baby Boom” ou a explosão de bebês, em decorrência da espécie humana instintivamente compensar a perda de milhões de pessoas nesse gigantesco conflito.

Curiosamente, essa mesma geração, nos anos 1960, vivenciou a popularização da pílula anticoncepcional cuja finalidade pareceu ter servido mais para uma liberação da sexualidade, ou, como se dizia na época, para o denominado “amor livre”, do que propriamente como uma política familiar de limitação da natalidade.

Essa geração foi marcada em sua juventude pela “Guerra Fria”, pela Guerra do Vietnã, pelos movimentos estudantis e também por uma série de outros movimentos como hippie, negro e feminista. Foram protagonistas na busca por liberdade e direitos civis.

Atualmente, segundo os especialistas, são vistos como conservadores em seus hábitos. Frequentemente ocupam cargos de direção e planejamento, concentrando maior poder de decisão. Permanecesse muitos anos na mesma companhia e “vestem a camisa da empresa”.

Valorizados pela experiência adquirida e conhecedores da cultura organizacional, são vistos como pessoas que se preocupam com a estabilidade e a construção de uma carreira sólida. Neste momento, já estão adentrando o período da velhice.

Geração X (nascidos entre 1965-1979)

A Geração “X” é contemporânea de crises econômicas e política como as ocasionadas pelo embargo do petróleo imposto pela Opep em 1973, pela Revolução Iraniana em 1979 e pela Guerra do Golfo em 1990.

Viveram a catástrofe do acidente da usina nuclear de Chernobyl e o surgimento da AIDS nos anos 1980 e 1990.

Nascidos ainda durante a ditadura militar, participaram das grandes manifestações pelo retorno das eleições diretas e, portanto, pela volta da democracia em nosso país.

O “X” é descrito pelos profissionais de RH como alguém apegado a cargos, com ambições de progresso na carreira, e que, embora, utilize os recursos da tecnologia digital apresenta ainda uma certa resistência a ela.

Essa geração conserva, dizem os especialistas, mas nem tanto quanto os Boomers, o respeito à hierarquia e aos métodos tradicionais de trabalho.

Geração Y ou Millennial (1980-1994)

Os Millennials fazem parte de uma geração de jovens que amadureceram na virada do milênio estarrecidos com o massacre na escola de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, e com os atentados às Torres Gêmeas em Nova York em 2001.

Vivenciaram as fases iniciais da revolução digital com os primeiros celulares e computadores pessoais e a popularização da Internet nos anos 1990. Tornaram-se familiarizados com as tecnologias digitais e com as informações em tempo real e em nível planetário.

Segundo especialistas da área corporativa, a geração Y, diferentemente das gerações anteriores, não demonstra forte apego ou fidelidade à empresa em que atuam. Ficam atentos a novas possibilidades de trabalho e não relutam em trocar de empresa e querem subir rapidamente na carreira.

Conseguem desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo e não respeitam hierarquias no trabalho. Por isso, os consultores em RH os veem como frequentes protagonistas de conflitos com suas chefias imediatas, já que tendem a contatar diretamente as chefias superiores.

Geração Z ou Centennials (1995-2010)

Os Centennials nasceram no limiar do século XXI. Muitos deles ainda não ingressaram no mundo do trabalho. Essa é a primeira geração a crescer na era dos smartphones e das redes sociais.

Para os especialistas a geração Z, é composta por jovens com um perfil parecido ao dos componentes da geração Y, mas se mostram mais “vitaminados” em sua impaciência e na aceleração na execução de tarefas. Por isso, com mais dificuldades de trabalhar em equipe.

Geração Alpha (nascidos a partir de 2010)

Os pertencentes à geração Alpha, filhos dos Millennials, são também chamados de nativos digitais, já que nascem em mundo já superconectado pelas redes sociais captadas pelos smartphones.

Além dos acontecimentos históricos e sociais importantes, a subjetividade dessa geração está sendo moldada ainda mais intensamente pela chamada revolução da informação digital na qual estamos cada vez mais envolvidos.

Além do fator tecnologia, há questões em outras áreas. No que se refere às relações familiares, a geração Alpha, terá uma educação que contemple igualdade de direitos e responsabilidades nos papéis de pai e de mãe, num contexto de conjugalidade tanto de casais hétero quanto homossexuais?

Viverão os futuros jovens em uma sociedade que respeite a diversidade humana? Enfim, o futuro, em um prazo não muito distante, nos mostrará em que condições de vida estarão as crianças de hoje.

Concluindo com um alerta

Acho importante considerar o cuidado necessário para essa tipificação geracional. Embora sejam úteis classificações como essa, há o permanente risco de criarmos estereótipos que, em vez de aproximarmos as gerações, acabamos por distanciá-las.

Exemplos: a disposição de um “Boomer” para se aproximar de um “Y” poderá ser positiva se ele se apegar à ideia de que os mais jovens não apresentam fidelidade à empresa?

Por outro lado, os funcionários mais novos, não recuarão da tentativa de diálogo com o trabalhador mais antigo, imaginando que ele, em decorrência de sua rigidez, não aceitará novas propostas e sugestões?

Imagem: Annie Gray / Unsplash

E mais…

Veja também no portal avŏsidade:

Cotidiano entre gerações – família

Dr. Ferrigno: netos que cuidam de avós dependentes

A valorização do papel dos avós

O sofrimento do cuidador do idoso

Há tempo certo para maternar?

Tempo de repensar

Da máquina de escrever ao streaming

Afinal, o que é o languishing?

Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois.
[. .]
Acompanhe o portal avosidade também no Facebook, Instagram e podcast+!

José Carlos Ferrigno

Psicólogo, especialista em Gerontologia e em Programas Intergeracionais; é autor dos livros “Coeducação entre Gerações” e “Conflito e Cooperação entre Gerações”, publicados pelas Edições Sesc SP; seu e-mail é jcferrigno@gmail.com

Veja também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *