► Passamos grande parte de nossas vidas perseguindo ideais de beleza e comportamento, nos guiando sempre pelos critérios de aparência e pelo olhar do outro. Ao chegarmos à maturidade, estaríamos livres disso tudo?
A vida passa rapidamente e, se desejarmos ser protagonistas do nosso corpo e história, pelo menos na “última temporada da série”, é bom nos atentarmos às armadilhas, para desarmá-las ou simplesmente nos desviarmos delas.
Por exemplo, pensemos nos polêmicos cabelos brancos. Durante a fase aguda da pandemia, muitas mulheres abandonaram definitivamente a prática do tingimento dos cabelos, optando por deixar aparentes os fios brancos.
Nas redes sociais, postagens mostraram muitas imagens da “transição”, da cor para a falta dela, anunciando uma espécie de alforria, a liberdade de não ter de esconder os sinais do envelhecimento.
Porém, livres das colorações, os cabelos brancos teriam de ser especialmente tratados, caso contrário deixariam a dona da cabeça com aparência “desleixada”, com “cara de velha”, também disseram as redes sociais.
Os salões de beleza, a princípio ameaçados, voltaram a ser procurados para transformar os antigos “cabelos grisalhos” em referências de estilo e personalidade. O branco passa de mero sinal natural de envelhecimento a fator de empoderamento feminino, de distinção e estilo.
Lembremos que nos 1950/60/70, um conjunto de sinais anunciava a chegada do último terço de vida; dele faziam parte o embranquecimento dos cabelos, a flacidez, as rugas, a aposentadoria, cuidar dos netos (se os tivessem) ou viajar tudo o que não foi “viajado” durante o tempo de trabalhar e criar filhos.
Esses eram sinais claros de que, a partir de então, se deixaria o protagonismo para os mais jovens. Com ou sem mágoas e ressentimentos, “penduravam-se as chuteiras”.
O terrível gosto da exclusão
De lá para cá a expectativa de vida aumentou, ganhamos mais tempo de jogo e até prorrogação por cobrança de pênaltis.
Aceitar as perdas e declínios transformou-se em castigo: viver antecipadamente os fins, fim de festa, fim de jogo, e, pior, lutar insanamente para ser visto e lembrado na hora dos pênaltis.
A geração baby boomer tem uma batata quente nas mãos: envelhecer bem e feliz, ser produtiva e realizada, mantendo boa saúde, disposição e conquistando a cada década mais frescor de juventude.
Pele, dentes, corpo e cabelos brilhantes que enganam os que tentam adivinhar a sua idade (… “Nossa, não parece!”).
Talvez um indivíduo branco, cisgênero que teve acesso à educação e a escolha de uma profissão, provará pela primeira vez em sua vida o terrível gosto da exclusão quando estiver próximo dos 50 anos.
Apesar de estarmos nos atualizando, cuidando da saúde, da aparência e aptos ao trabalho, finalmente sentimos na pele o que sentem os grupos que sofrem discriminação por etnia, orientação sexual ou religiosa, entre outras.
Invisibilidade e exclusão com denominação própria: etarismo, o preconceito contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados à idade.
É sabido que a população de idosos cresce a passos largos no Brasil, enquanto a taxa de natalidade cai. Em 2050, estima-se que quase 30% dos brasileiros terão 60 anos de idade ou mais.
Pesquisas recentes apontam que “95% dos consumidores acima dos 50 anos possuem um smartphone e 31% deles conhecem novas marcas pelas redes sociais. Outro dado é que pelo menos 39% deles fizeram uma compra pela internet nos últimos 12 meses” (site maturi.com em março de 2022).
A economia prateada
A economia prateada surge para explorar as necessidades dessa população, atendendo às suas demandas e, por outro lado, criando e reforçando estereótipos. Finalmente os 50 e 60+ se tornam visíveis ao mercado, como mais um nicho atrativo de consumidores.
Ao se apropriar do envelhecimento como produto, acaba padronizando e pasteurizando a imagem do idoso. O tipo mais cobiçado é o do “velho não velho”, aquele que envelhece com aparência jovem.
Financeiramente bem-sucedido, cuida da saúde com boa alimentação e vitaminas milagrosas, também faz uso de hormônios, alguns que vêm sendo usados nos tratamentos antienvelhecimento, podendo ser associado a outros hormônios, suplementos alimentares, medicamentos antirradicais livres, entre outros.
Veste determinadas marcas, viaja, dança, se exercita fisicamente, faz cursos, trabalha e usa lingerie sensual, pois, claro, tem vida sexual ativa.
Também participa de grupos que lutam pela qualidade de vida dos mais velhos nas grandes cidades e pela retomada das atividades remuneradas, propondo sua volta ao mercado de trabalho ou a chance de se tornar “empreendedor de sucesso”.
Coexistem as personas do idoso produtivo e do fragilizado. Caricatura do antigo “vovô”, vez por outra essa figura ainda aparece nos comerciais, comprando em farmácias e supermercados ditos “amigos dos idosos”. Identificar-se com o “velhinho do comercial” significa estar fora do jogo.
O mercado prefere e incentiva o “não velho”, dono de seu próprio destino, aquele que irá de fato consumir produtos que lhe prometem a fonte da juventude.
Mas, para que incluir suplementos alimentares no seu dia a dia sem necessidades mostradas por exames e um médico nutrólogo?
E sobre os compostos vitamínicos, devemos ingerir quantidades extra de vitaminas sem saber se precisamos de reposição; mas, se precisamos, quais são as nossas deficiências? E quanto aos hormônios, quais são suas contraindicações?
Um eterno jovem
Iniciou-se a venda de aparelhos celulares “especiais para os mais velhos”, com ícones gigantes, alguns aplicativos já instalados e outras “facilidades” para os que querem aprender a utilizar as tecnologias do seu tempo.
Saber usar aplicativos foi vitória festejada num comercial em que uma mulher de uns 80 anos de idade se dizia “moderna e independente” por ser capaz de pedir comida de fast-foods.
Sinceramente não acreditei naquilo que vi! Então comer fast-food seria um hábito incentivado por pressupor o domínio do uso de aplicativos de entrega?
Importante lembrarmos que o sentido de ser contemporâneo vai além da inclusão tecnológica, no estrito conhecimento e uso da ferramenta.
Ser crítico e seletivo frente à avalanche de informações e ofertas é tão importante quanto utilizar-se satisfatoriamente da ferramenta. Sabemos disso até quando ensinamos às crianças o uso de ferramentas digitais.
As redes sociais se encarregam de vender produtos atrelados às ideias e aos desejos do que se quer parecer. O idoso idealizado anuncia todos aqueles produtos que farão do velho um eterno jovem.
Se partirmos do princípio que não se pode mais “parecer” velho, torna-se natural que sigamos os postulados. Novamente estaremos preocupados com o que muitos outros pensam e esperam de nós.
A aparência física e o modo de vestir fazem parte desse pacote embalado com papel de presente temático: “liberdade de ser o que se quiser”.
A mulher ainda é o alvo preferido desse falso projeto de liberdade. E para ser “livre”, ainda tem de se enquadrar nos padrões da sua faixa etária, da maternidade e do gênero (ainda com ressalvas).
Há décadas corpo, rosto, cabelos e roupas mantém as mulheres reféns de padrões e estereótipos disseminados, com boa margem de lucro, hoje em grande parte pelas redes sociais.
Estilo próprio
Os influenciadores (influencers), aparecem nesse momento para legitimar as “necessidades”.
Vendem de um tudo e emprestam seu próprio corpo para testar métodos milagrosos de emagrecimento, procedimentos indolores para rejuvenescimento facial, roupas que garantem a performance do “velho não velho”.
Em geral, mulheres maduras assumem o papel de mentoras dessa nova e atraente maneira de “envelhecer sem envelhecer”.
Voltamos ao início do texto, quando falo em seguir padrões de comportamento e estar preocupada com o olhar do outro.
Todo esse movimento do mercado prateado pode nos levar a uma certa estreiteza de visão, pois o que se mostra e se oferece ao consumidor faz parte de um critério prévio de seleção, como se fosse exatamente aquilo apropriado aos idosos.
Trago aqui duas perguntas e algumas reflexões sobre as formas de se vestir e se comportar.
1 – O que significa ter estilo?
2 – Posso ser meu personal stylist?
Para responder às duas questões partimos do princípio de que o vestir é manifestação criativa do ser humano. Vestir é construir novas formas a partir de uma base, do seu próprio corpo; então roupas e acessórios seriam ferramentas para realizar construções.
Estilo é o modo como cada indivíduo expressa ideias, sentimentos e constrói identidade. Dentre as várias linguagens que expressam estilo, uma delas é o vestir.
A princípio qualquer pessoa pode lidar com seu próprio estilo desde que aceite seu corpo como ele é, que esteja confortável com sua idade cronológica e que tenha um certo conhecimento sobre si mesma.
Público feminino 60+
Exemplifico, hoje nas redes sociais vemos uma grande quantidade de confecções voltadas para o público feminino 60+. Em geral, roupas de malha com modelagem folgada, para não marcar quadris e torsos mais avantajados.
Escapam-se dos grandes decotes, que evidenciariam a flacidez dos seios e da pele do colo. Usam-se mangas, mesmo que no verão, para esconder eventual flacidez dos braços.
Cores e estampas, que no passado não habitavam armários e gavetas das idosas, funcionam como desafiadores da sobriedade antes obrigatória para as que desejavam ser elegantes.
Não podemos negar a existência de uma certa liberdade, porém se entendida literalmente, a moda para mulheres mais velhas corre o risco de uniformizar, como no passado, porém de modo mais informal e “libertário”.
Há mulheres que ficam felizes com seus decotes ou mostrando seus braços inteiros, que gostam da cintura marcada, embora a circunferência tenha aumentado. Outras gostam de comprimentos mais curtos de saias e vestidos.
Creio que possamos ser nossos próprios estilistas se escutarmos os nossos desejos tendo a coragem de ficarmos amigas do espelho, da nossa imagem. Vestir o que te cai bem, o que te deixa mais bonita, confiante e feliz.
Se entendemos o ato de vestir como construção criativa, pensemos nos acessórios como elementos que doam estilo a quem os usa.
Propondo que você faça uma busca em suas roupas e acessórios e selecione aqueles que “conversam” mais de perto com quem você é hoje (quem é você hoje?).
Se carrega objetos que não mais te representam, que tal fazer uma doação ou escolher uma amiga que poderá aproveitá-los melhor?
Vida que acontece agora
O tempo passa e nós passamos e “passeamos” com ele. Além do corpo mudamos nossa maneira de olhar, perceber a vida, de estar e de nos relacionar com as pessoas a nossa volta, do tipo de leitura, dos hobbies.
Novas sensações olfativas podem até nos levar a gostar de perfumes que não usaríamos antes e cores que jamais fizeram parte das nossas escolhas nos passam a ser atraentes.
Nesse sentido, ter 50, 60, 70, 80 ou mais anos de vida só nos traz mais ferramentas para criarmos e recriarmos a nós mesmas, desde que se faça o exercício de ser você o seu próprio autor.
Temos uma história pregressa, isso é certo, mas temos a vida, a nossa vida que está acontecendo agora.
Estamos inseridas numa realidade que pode ser modificada. E nada mais gratificante do que podermos exercer a criatividade para tratarmos a vida como uma obra em processo. E se a vida está aberta, a nossa imagem está em construção.
Imagem: Unsplash
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