► Adaltina Figueirôa (Date) nasceu na aldeia de Oitavem de Riba, município de Fornelos de Montes, província de Pontevedra, na região da Galícia, Espanha. Dessa região veio a maioria dos migrantes galegos que deixaram sua terra com destino ao Brasil. Para muitos, o destino era a cidade de Salvador, Bahia.
A emigração galega para Salvador é parte integrante de um fluxo mais abrangente que se dirigiu para as Américas. Três foram os principais portos por onde saíram os galegos: A Coruña, Villagarcia-Carril e Vigo.
Os que saíram da Coruña tinham como destino o México, Cuba e Porto Rico. Os que embarcavam pelos portos Villa-Carril e Vigo viviam na província de Pontevedra e foram para a Argentina, Uruguai e Brasil.
Estudos da Universidade Federal da Bahia apontam que 96% dos espanhóis de Salvador procediam da Galícia e que, destes, mais de 90% vinham da província de Pontevedra.
De lá veio a minha tia-avó Date quando tinha apenas seis anos. Filha mais velha de um casal de camponeses, ela viajou com os pais, um irmão de quatro anos e a mãe, que carregava outro filho no ventre.
Segundo relatos, e se não me falha a memória, a família chegou a Salvador por volta de 1886. A Capitania dos Portos registra a entrada de 25 imigrantes espanhóis naquele ano.
Os motivos que levaram os galegos a procurar melhores de condições de vida são semelhantes aos de outros europeus que emigraram para as Américas. Poucas oportunidades de trabalho, frio e fome.
Padrões de comportamento
Os galegos que chegaram a Salvador saíram do meio rural para enfrentar uma situação urbana. Por isso, consideravam os padrões de comportamento familiar que encontraram aqui mais liberais do que aqueles que conheciam na Galícia.
Novo mundo, novos costumes.
Já havia em Salvador alguns espanhóis da região da Galícia. E, como sempre acontece, quem migra primeiro abre caminho para os compatriotas.
Logo de início, a família teve um grande revés. Poucos meses após a chegada, Date perdeu a mãe. Ela morreu ao dar à luz ao filho que trouxe no ventre da Espanha.
Pouco sabemos desse período. Ela, ainda criança. parece que procurou apagar da memória as lembranças tristes. O pai dela voltou a se casar e refez a vida e a família. Do segundo casamento nasceram mais dois filhos, dentre eles minha avó.
Adios, rios; adios, fontes
(Rosalía de Castro)
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1 Adios, ríos; adios, fontes;
l adios, regatos pequenos;
1 adios, vista dos meus ollos:
l non sei cando nos veremos.
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in Cantares Galegos, edição de Higino Martins Esteves
Date cresceu cuidando da família. Teve que assumir os irmãos, pois a segunda mulher do pai também faleceu de forma prematura.
O pai permitiu que trabalhasse fora de casa, condição pouquíssima usual naquele tempo. Por anos e anos foi funcionária da maternidade Climério de Oliveira, na capital baiana. A situação financeira da família era precária e a ajuda de todos os filhos era valiosa.
Bonita, elegante e vaidosa, nunca lhe faltaram pretendentes. Mas, não lhe foi permitido casar. O pai sempre colocava obstáculos e dava um jeito de desfazer os namoros. Cuidou do pai, Delphino Modesto Figueirôa, até sua morte.
Nada disso a tornou uma pessoa amarga. Era bondosa e dava apoio às mães da maternidade onde trabalhava, em sua maioria muito pobres.
Lembranças muito ternas
Para essas mães, o trabalho se estendia além do apoio na maternidade. Organizava arrecadação de enxovais e outras providências.
Essa generosidade se estendia para toda a família. Ajudava a cuidar dos filhos da irmã, minha avó, especialmente do meu pai, que era uma criança de temperamento difícil de tratar.
Mesmo sendo galega, Date assimilou o temperamento da terra. Dócil e sorridente, diferente dos outros galegos da minha família que eram briguentos e mal-humorados.
As minhas lembranças dela são sempre muito ternas. Já muito senhora, vestia-se de forma impecável. Usava roupas de linho engomadas com esmero. E sempre muito perfumada.
Gostava muito do prato chamado cozido à portuguesa (é uma iguaria composta por uma miríade de vegetais, carnes e enchidos cozidos), que comia com pimenta, como uma boa baiana.
As sobremesas da terra também estavam na sua predileção. Arroz doce polvilhado com canela tinha lugar de destaque.
Sempre vinha nos visitar, nunca sem antes passar pelo banco e pegar duas cédulas de dinheiro novinhas em folha, que dava de presente para mim e para o meu irmão. O dinheiro era perfumado, pois ela o guardava dentro da roupa intima.
Todas as vezes em que falo dela, e agora escrevendo sobre ela, sinto seu perfume suave, de rosas, com se estivesse em jardim repleto dessas flores.
Jamais dependeu da caridade da família para mantê-la. Quando achou que ficaria mais bem acomodada em uma instituição para idosos, foi morar na Casa de Asylo de Santa Izabel.
Alegria de viver
Hoje, o local chama-se Lar Franciscano Santa Izabel. Foi fundado em 1848 por membros da Ordem Terceira de São Francisco. O prédio é lindo e imenso. Na minha infância, passei muito bons momentos com ela naquele local.
O imóvel foi tombado como Bem Cultural da Bahia, em 2002, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac). É um dos melhores exemplos de arquitetura civil do século XIX na Bahia.
Ela transformou sua velhice em uma boa fase da vida. Fez amigos no Lar, com as religiosas e toda a gente que vivia por lá. Viveu muito, cuidou de todos e foi merecidamente amada pelas pessoas.
A doçura era sua principal característica. Sempre tinha uma palavra de esperança e carinho para todos. Se auto definia como uma pessoa de “bom acomodar”. E dizia que sempre haveria uma solução para tudo.
Nem a partida da terra natal, nem as perdas da mãe, do irmão ao nascer e do pai, e a falta de filhos tiraram sua alegria de viver que conservou em seus mais de 90 anos.
Tive o privilégio de conviver com ela até o início da minha adolescência. Apesar do tempo curto, agradeço sempre seus ensinamentos. De fato, Adaltina Figueirôa tratou a vida como um presente.
Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois.
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E mais… Date
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