Gerações

A criação baseada no autoritarismo

● Ensinar a ser obediente pode custar literalmente a felicidade

A autora dá dicas para criar filhos fortes e seguros que se indignem, se importem e nunca terão suas vozes caladas

Este é um texto sobre a criação com base no autoritarismo e obediência – um apelo principalmente aos cuidadores de crianças negras do sexo feminino. Ensinar a sua criança a ser obediente vai na contramão da criatividade, da criticidade, da resistência e da subversividade.

Já parou para imaginar a sua criança sendo obediente a você hoje, sem pestanejar, sem considerar o seu eu, a sua própria vontade?

Esse adolescente amanhã pode ir na mesma linha dos outros por medo do abandono do grupo, esse mesmo adulto pode considerar “ok” ter um parceiro desrespeitoso, sofrer e se calar com qualquer membro da família do parceiro porque o padrão é esse, aceitar atitudes e frases abusivas de um chefe com sérios problemas comportamentais.

Tudo isso simplesmente porque essa criança foi ensinada a ser quieta e obediente, custe o que custar e custe o que custar literalmente a sua felicidade, senso crítico e liberdade de ser.

Serão adultos que mais tarde calam ou choram sem conseguir argumentar exatamente porque, dentro de várias nuances, foram ensinados a não terem “querer” a cada dia, gota-a-gota, ao longo de anos.

Foram ensinados que seus questionamentos se tratavam de melindre e ensaio teatral. Podem se tornar excelentes profissionais, mas a assertividade, competências emocionais e o gerenciamento dos próprios conflitos da vida adulta tão exigidos pela sociedade faz a conta não fechar.

Periferia da periferia do capitalismo

Sempre questiono que o Brasil tem um perfil bacharelesco e especialista, mas não se estuda para criar um filho. O que é mesmo o construtivismo? Piaget? Comunicação não violenta? A cama Montessori é mesmo uma gracinha, não é?

Quem não lê, somente ouviu falar e cria o filho de modo extremamente empírico, testando os limites e se frustrando. Na periferia da periferia do capitalismo, quem prega a pauta é capaz de ser considerado desumano porque a carência é grande de tudo e as prioridades passam longe de se falar sobre violência na primeira infância.

Quantos lares autoritários e ameaçadores devem existir por aí por falta de informação. O adulto que é hoje não parou para indagar a punição física ou psicológica e reproduz que apanhou e hoje está vivo, será mesmo que está vivo ou luta para conseguir sobreviver usando o micropoder?

Quando a frustração vem e a raiva que caminha ao lado também (tudo bem sentir raiva, o problema é o que se faz com ela), você subterfuja enquadrar – do verbo colocar ao seu molde – ou escuta e acolhe porque o outro importa?

Nenhum tipo de imposição e opressão deve ser normalizada, nem mesmo o tapinha que não dói no corpo, mas é cimento na alma, como ilustrara Alessandro Marimpietri sobre a palmada, que é mordaça, é o fim da linha, game over.

E o que se falar dos diversos castigos impostos a uma criança – venha logo ou vou te largar aí – de fato, são uma marca na subjetividade.

O andar de cima

Existe uma alusão, muito utilizada pelos educadores e estudiosos da disciplina positiva que é comparar o cérebro da criança a uma casa de dois andares, imaginando uma escada interligando esses dois andares, muito bem explicado no livro “O Cérebro da Criança” escrito por Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson.

A parte de baixo dessa casa corresponde à estrutura primária, responsável pelas funções básicas como piscar e respirar, por reações inatas e impulsivas como fugir e lutar e por fortes emoções como sentir raiva e medo, estrutura que contempla o tronco cerebral e a região límbica.

O andar de cima que é composto pelo córtex cerebral e suas diversas partes como o córtex pré-frontal médio (CPF) se trata de um andar mais sofisticado no qual se permite ver tudo com mais completude e clareza, diretamente relacionado com o pensar, imaginar e planejar.

É neste andar que se formam as características mais requisitadas como equilíbrio emocional, empatia e moralidade.

É inútil explicar em tão poucas palavras sobre uma estrutura tão complexa que é o cérebro, no entanto, ainda sobre o que se diz acima, o papel dos pais, principalmente na primeira infância e ao longo de toda a vida é ajudar a construir e reforçar a escada que conecta esse andar primitivo ao andar evoluído.

De modo que esse andar de cima consiga controlar os impulsos e emoções intensas que se originam no andar de baixo.

Compassividade e firmeza

Entendendo que na primeira infância, esse cérebro ainda possui muitos aspectos em desenvolvimento, ao invés de considerar uma possível crise de stress em birra (termo este que deveria ser extinto do vocabulário), mais adequado seria lhe oferecer escuta, abraço, palavras doces e técnicas de respiração como escrito e ilustrado de maneira bem lúdica em “O coelhinho que não sabia esperar” – por Emilia Nuñez.

Se você, mãe, pai, avô, avó, cuidador, está em busca de uma criança bem comportada e obediente, saiba que a “colheita” não é boa diante da imposição, autoritarismo, ameaças e intimidações.

Compassividade (muito bem escrito por Marshall Rosenberg em “Criar filhos Compassivamente”) não se confunde com falta de firmeza, há coisas que são inegociáveis, como por exemplo, a criança querer ir ao banco da frente do automóvel; um adulto que mais tarde pode furar o sinal vermelho de trânsito, assumindo todas as consequências, afinal, existem regras em sociedade que devem ser seguidas.

Não é sobre falta de firmeza que se fala, mas sobre coerência, escuta, acolhimento, empatia, respeito e criação com afeto bem argumentado e de linguagem acessível nos livros “Educação não Violenta”, “Por que Gritamos” e “Conversas Corajosas” de Elisama Santos numa viagem de autoconhecimento e autocura, conhecendo por exemplo, os tipos de chantagens emocionais, reconhecendo quais foram feitas com você seja na infância, adolescência ou vida adulta e de modo a evitar a prática com o outro.

Livros estes cheios de situações reais que nos mostram que ainda há tempo, somos completamente capazes. Abracem, escutem, não adjetivem a criança de vocês para que não normalizem adjetivos no futuro, criem filhos fortes e seguros que se indignem, se importem verdadeiramente e nunca terão suas vozes caladas.

Imagem: Suad Kamardeen / Unsplash

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Estelle Silva Diorato Teixeira de Mendonça

Doutora em Química pela Universidade de Brasília, química da Fundação Universidade de Brasília em exercício na Universidade Federal da Bahia, amante da língua francófona, estudante de piano, yogini, militante da causa antirracista e antimachista; mãe de dois filhos, sendo um deles com TEA

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