Diversão

Alberta, velhinha, mas, que voz!

● Ela trocou o blues pela enfermagem e foi redescoberta aos 81 anos

Capa de The Glory of Alberta Hunter, um dos três LPs da segunda fase de carreira da cantora e compositora americana

O ano é 1982. Estou no “150”, o night club do hotel 5 estrelas Maksoud Plaza, onde se apresentam grandes nomes da música internacional que na época visitavam o Brasil. A atração da noite: Alberta Hunter, cantora e compositora americana.

Pequenina, magrinha, frágil, andar vacilante, entra em cena conduzida por dois homens, que a acomodam na grande poltrona que ocupa o centro do palco, quase um trono.

Balbucia algumas frases em inglês e começa a cantar a introdução da primeira canção. Logo o compasso acelera e ela se levanta.

Durante uma hora, Alberta Hunter saracoteia, marca o ritmo com palmas, domina a cena, captura a audiência, enche a casa de alegria. Não parece ter 87 anos.

A voz é grave, o suingue irresistível. As letras são divertidas. As que têm duplo sentido, ela canta com expressões marotas.

Terminado o show, que teve bis e tris, Alberta sai de cena. Volta a ser aquela senhorinha pequenina, magrinha, frágil, andar vacilante, conduzida por dois homens.

Na noite em que fui vê-la foi assim, só que muito melhor do que sou capaz de descrever.

Dos bordéis ao primeiro milhão de cópias

A infância de Alberta Hunter foi difícil. Aliás, como a de quase todas as grandes cantoras negras americanas de antigamente. Nasceu em 1895 no Sul dos Estados Unidos, em Memphis, no Tennessee, terra de Elvis Presley.

O pai abandonou a família quando ela era pequena e a mãe, Laura, voltou a se casar. Mas a menina era decidida, não gostou do padrasto e, aos 11 anos, partiu sozinha para Chicago.

Queria ser cantora. Pouco depois a mãe largou do marido e foi morar com ela. Sempre foram muito próximas.

No início da carreira, cantou em bordéis e boates de má fama, mas logo ficou conhecida na noite de Chicago, cuja cena musical rivalizava com a de Nova York.

Alberta

Em 1917 fez sua primeira viagem à Europa, apresentando-se em Paris e Londres.

Também compunha. Sua criação mais famosa, Downhearted Blues, feita em parceria com a bandleader Lovie Austin, fez grande sucesso na voz da lendária Bessie Smith.

O disco (ainda a bolacha grossa de 78 RPM) vendeu mais de 1 milhão de cópias, um fenômeno para a época.

Mas o empresário passou-lhes uma rasteira e embolsou a maior parte dos direitos autorais da música. Alberta Hunter recebeu para si só 368 dólares.

Artista conhecida, enfermeira anônima

No entanto, foi aí que sua carreira decolou. Mudou-se para Nova York e nos anos 1920 e 1930 fez várias temporadas na Europa.

Depois, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e a Guerra da Coreia (1950-1953), cantou regularmente para tropas americanas não apenas antes de partirem, mas também no front.

Na década de 1950 apresentava-se frequentemente em Londres, até muitas vezes por ano.

Foi então que, em 1957, a mãe dela morreu. E Alberta perdeu o gosto pela vida artística, conforme ela mesmo dizia.

Não tinha diploma do curso secundário e já tinha passado da idade para ser aceita no curso de Enfermagem. Mas não se apertou e usou dois documentos falsos, de idade e escolaridade. Diminuiu a idade em 12 anos e se formou enfermeira.

Por 20 anos trabalhou em um hospital de Nova York. Praticamente ninguém sabia quem ela era – ou tinha sido.

Quando completou 70 anos “oficialmente” – na verdade, tinha 82! – foi obrigada a se aposentar na Enfermagem.

Enfim, a volta à ribalta

Porém, meses antes da aposentadoria, quando tinha 81 anos, numa festa em homenagem a uma amiga dos velhos tempos, foi reconhecida por um dos presentes, que lhe pediu para cantar algumas músicas de seu antigo repertório.

O homem era do meio artístico e fez a ponte entre ela e o dono da badalada casa noturna The Cookery, em Greenwich Village, bairro boêmio de Nova York. A temporada de duas semanas dela ali teve tal êxito que Alberta Hunter retomou a carreira.

Até morrer, em 1984, gravou três LPs (The Glory of Alberta Hunter, Amtrak Blues e Look for the Silver Lining), participou de um filme (Remember my Name, de Alan Rudolph, de 1978), cantou em programas de televisão e viajou o mundo, e nunca deixou de se apresentar regularmente no Cookery.

Morreu aos 89 anos.

Rua Alberta Hunter, São Paulo, Capital

Fui apresentado a Alberta Hunter por uma amiga americana muito querida, no finzinho dos anos 1970, pouco depois de ela reaparecer na cena do blues.

Minha amiga conhecia meu gosto musical e me presenteou com o LP da trilha sonora de Remember my Name. Achei o máximo. Só não podia imaginar que a veria em carne e osso no Brasil.

Alberta Hunter esteve em São Paulo em 1981 e 1982. Ao fazer a pesquisa para escrever este texto descobri que a cidade retribuiu as visitas: há uma Rua Alberta Hunter. Fica em Itaquera.

Dicas

Downhearted Blues com Bessie Smith (1923)
[https://youtu.be/go6TiLIeVZA]

Downhearted Blues com Alberta Hunter (1981, no Cookery)
[https://youtu.be/mp2av6etNm8]

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Bias Arrudão

Jornalista

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