Comportamento

A invisibilidade do idoso

● Dra. Olga: metade das pessoas tem atitudes discriminatórias

Cuidar de um idoso é saber ouvir as suas necessidades, é colaborar para que ele tenha autonomia dentro do limite dele

O envelhecimento é um processo natural na vida de todo ser humano! De acordo com dados do IBGE, a população idosa no Brasil deverá triplicar até 2050. Como lidar com essa população que envelhece se a mídia e as políticas públicas valorizam os jovens em detrimento dos mais velhos? Invisibilidade

O Relatório Mundial sobre o Idadismo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em março de 2021, (Idadismo ou Etarismo: discriminação em relação à idade), revela que 1 em cada 2 pessoas tem atitudes discriminatórias contra os idosos.

E essa discriminação colabora para que o idoso se torne cada vez mais invisível dentro da sociedade.

A invisibilidade começa dentro da própria família! Como psicóloga, atendo muitos idosos que sofrem com a depressão, embora essa doença não seja característica deles, podendo acometer qualquer pessoa em qualquer idade.

Mas ela prevalece nessa faixa etária por conta dessa invisibilidade, fruto do preconceito que permeia toda a sociedade, que vê o idoso como uma pessoa em decadência, retrógrada e doente.

Sabemos que a perda da vitalidade da juventude é natural, mas nos esquecemos de que os idosos podem continuar sendo saudáveis, produtivos e cheios de sabedoria, advinda de todas as experiências que viveram ao longo dos anos de suas vidas.

Mas, voltando ao meu consultório, é comum os filhos quererem falar em primeiro lugar comigo para relatarem a depressão do idoso e, não raro, exigem participar e interferir no tratamento que farei com o idoso, como se ele não tivesse mais autonomia ou saúde para cuidar de si próprio.

Autonomia tolhida

É óbvio que eu ouço a família, mas me recuso a receber qualquer pessoa durante a minha consulta com o idoso.

O fato de o idoso sentir-se respeitado e ouvido abre as portas para que ele relate os fatores que o levaram à depressão, como a falta de autonomia, o desrespeito às suas ideias e pensamentos, o fato de ter perdido a sua autoridade diante dos filhos (autoridade, não autoritarismo, algo bem diferente).

É comum os filhos decidirem por ele o que ele deve comer, onde vai morar, o que vai vestir, como se ele não tivesse condições de decidir por si mesmo o que quer fazer com a sua vida.

Tenho muitos relatos de idosos que foram obrigados a irem morar com seus filhos ou que tiveram que ir morar na edícula, cedendo a sua casa para o filho morar com sua família.

É como se o idoso não tivesse mais direito a ter suas vontades respeitadas, como se fosse natural ter a sua autonomia tolhida!

Sim, há casos em que o idoso é obrigado a ter algumas limitações, por conta de alguma patologia, mas a grande maioria dos idosos permanece saudável e produtiva. Então por que as famílias os tratam como se fossem uma criança irresponsável?

Sei que muitos familiares não fazem isso por mal, mas pelo excesso de zelo, mas, infelizmente, eles reproduzem comportamentos e atitudes que, sem perceberem, colaboram para que a autonomia do idoso seja violentamente retirada!

Os familiares se esquecem de que essa pessoa idosa percorreu um longo e árduo caminho pela vida, que ela é a base emocional e material da família, uma referência de exemplo para a existência dos seus filhos e netos.

Proibições de todo tipo

E o excesso de zelo familiar colabora, dia a dia, para retirar cada vez mais as responsabilidades e a autonomia do idoso, com proibições de todo tipo em relação à participação dele nas atividades rotineiras da casa, muitas vezes pela falta de paciência em aceitar a lentidão natural do idoso.

E assim passam a impedi-lo de realizar tarefas que sempre realizou com maestria, proibindo-o de sair sozinho, desrespeitando o seu direito de ver os programas de televisão que ele gosta ou de ouvir as músicas que ele aprecia.

Pior de tudo, é não dar mais atenção às histórias e opiniões do idoso. Além disso, é comum que os filhos pensem na segurança do idoso, fazendo reformas e removendo móveis ou objetos da casa dele, sem ao menos pedirem a sua permissão.

Isso quando não decidem que é melhor o idoso ir morar com algum dos filhos ou ter que dividir a sua casa com um filho e família, sendo transferido de seu quarto para um outro cômodo, sem ao menos ser consultado se era isso o que ele realmente queria para si mesmo.

Infelizmente, os familiares acabam fazendo aquilo que é bom para eles, sem considerarem o que é bom para o idoso, sem questionarem quais são os seus reais desejos e necessidades, colaborando para que o idoso se torne cada vez mais invisível dentro do próprio lar.

Sendo isolado de tudo e de todos, tornando-se cada vez mais frágil e dependente, o que colabora para que ele desenvolva a depressão, algo que poderia ser evitado se os familiares pensassem sempre em cada consequência de suas atitudes, antes de agirem e consultassem o idoso.

Calado sem retrucar

Cuidar de um idoso é saber ouvir as suas necessidades, é colaborar para que ele tenha autonomia dentro do limite dele (e não da família), é jamais deixá-lo de lado e decidir por ele que, na maioria das vezes, aceita calado sem retrucar.

Faz isso porque se sente deixado de lado, sem o direito de se expressar, passando a não decidir mais nada sobre a sua vida e a rotina da casa, o que o deixa entristecido, tornando-se cada vez mais dependente e frágil.

O que abre caminho para que o idoso adoeça com mais facilidade, uma vez que as pesquisas revelam que o bem-estar emocional é fundamental para a manutenção da saúde como um todo.

E, se ampliarmos o nosso olhar para além da família, contatamos que a sociedade, como um todo, somente replica esse desrespeito com o idoso: é comum o médico insistir para que um familiar acompanhe o idoso nas consultas e se reporte ao familiar para saber como o idoso está, sem ao menos olhar para o idoso ou conversar com ele para saber como ele está!

Numa sociedade democrática, de acordo com o filósofo Santo Tomás de Aquino, todos os indivíduos são dignos e tem a mesma importância, seus direitos e deveres devem ser garantidos pelo Estado.

Mas numa sociedade que privilegia a juventude em detrimento do idoso, onde a mídia estimula, de todas as formas, a preservação da aparência jovem o maior tempo possível, como se não fosse bom envelhecer, a discriminação ao idoso é um reflexo dessa forma de pensar tão prevalente de que ser jovem é o que importa.

Em pé nos transportes

O advento da informática e das novas tecnologias, que se alteram a todo instante, também colaboram para que os idosos se sintam cada vez mais excluídos dessa vida moderna, pela total impaciência dos mais jovens em colaborar para que esses idosos se sintam incluídos.

Infelizmente, nossa sociedade atual é individualista e os cidadãos, em geral, mantêm uma postura apática e inerte em relação aos idosos.

É comum vermos idosos em pé nos transportes coletivos, embora existam assentos reservados a eles por lei, mas que permanecem ocupados por mais jovens que se veem no direito de ocupar tais assentos porque “trabalharam o dia todo”.

E o idoso, que se sente saudável e produtivo, muitas vezes até necessita trabalhar para complementar sua renda para ter um pouco de dignidade nessa fase da vida, não consegue um emprego apenas por conta da sua idade considerada “avançada” no mercado de trabalho.

Se um dia o Brasil foi o país do futuro, valorizando apenas a juventude, é preciso considerar que a população idosa está aumentando cada vez mais.

Não é mais possível manter o idoso na invisibilidade, ao contrário, é preciso que a mídia quebre esse paradigma e faça campanhas educativas para acabar com a discriminação ao idoso que o leva à invisibilidade, colaborando para uma piora da sua saúde mental e física!

Se somos o que somos hoje, é graças a todos os idosos que nos trouxeram até aqui!

Imagem: Bruno Martins / Unsplash

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Invisibilidade. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Então. Pois. Invisibilidade.
Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. É. Oi. Invisibilidade.
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Dra. Olga Tessari

Psicóloga (CRP06/19571), formada pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa e atua com novas abordagens da Psicologia Clínica em busca de resultados rápidos, efetivos e eficazes, voltados para uma vida plena e feliz; ama o que faz e segue estudando muito, com várias especializações na área; consultora empresarial, leva saúde emocional para as empresas; escritora, autora de 2 livros e coautora de muitos outros; realiza cursos, palestras e workshops pelo Brasil inteiro e segue atendendo em seu consultório ou online adolescentes, adultos, pais, casais, idosos e famílias inteiras que buscam, junto com ela, caminhos para serem felizes

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